Liberato Póvoa //Artigo Durante este ostracismo em que me encontro desde a malfadada “Operação Maet”, em 2010, passei a fazer um repositório detalhado de fatos desde a criação do Tocantins, enfeixado em quase quinhentas páginas, com o dia-a-dia da imprensa desde meu afastamento e o resultado de minuciosíssima pesquisa histórica desde a criação do Estado, sempre fiel aos fatos. Com isto, passei a conhecer ainda mais o Tocantins e o Judiciário como um todo, tendo um incomensurável arquivo de tudo: os políticos, juízes, desembargadores e ministros, com suas mazelas e segredos. Parte desse trabalho, publiquei no livro “
Eu também acredito em lobisomem”, como espécie de aperitivo do livro “
Nos bastidores das Cortes – como a política interfere no Judiciário”, em que mostro, com a firmeza que a verdade dos fatos me confere e a coragem que nunca me abandonou, fatos incríveis, que envolvem até planos de morte contra um desembargador, a demissão sumária de outro, a demissão de um conselheiro vitalício, o sumiço de pessoas que ameaçavam o sistema, sem me esquecer como um governador de mão-de-ferro conduzia o Estado. E os amigos a quem facultei ler os originais estão me cobrando a publicação, que, com as revelações de seu conteúdo, pode explodir a política e a Justiça tocantinenses. Nele conto como se desenrolaram os bastidores daquela operação, a nociva e odiosa interferência política na Justiça em todos os níveis, o caráter de certos colegas magistrados, que, sem compromisso com a ética, buscam aproveitar-se do cargo; a vergonhosa interferência do Executivo nos Poderes Legislativo e Judiciário, no Tribunal de Contas e no Ministério Público, manipulando concursos e agraciando correligionários e amigos com cargos vitalícios. O controle rígido dos órgãos que deveriam ser independentes era a garantia do despotismo, com o encabrestamento da imprensa, remunerando repórteres dos meios de comunicação com dinheiro público. Faço um minucioso retrospecto da “Operação Maet” pela Polícia Federal no Tocantins, a mando de um ministro sem caráter e cumprindo cega obediência a imposições de conhecidos políticos do Tocantins, seja para vingar-se de decisões judiciais por mim proferidas, seja para tentar conspurcar minha honra e a de outros colegas igualmente penalizados pelo fato de sermos independentes; mostro como a imprensa crucificou e condenou antecipadamente todos os envolvidos, que tomavam conhecimento dos passos do “processo sigiloso” através da imprensa, antes mesmo de serem formalmente intimados, caracterizando um criminoso vazamento (crime de violação de sigilo funcional). Surgiram algozes, além do ministro relator, João Otávio de Noronha, como a subprocuradora-geral Lindôra Maria Araújo, que apresentando uma peça acusatória inteiramente dissociada dos fatos, denunciou supostos crimes escancaradamente inexistentes. E o que mais espanta é que no afastamento dos envolvidos e em suas várias prorrogações, nenhum ministro da Corte Especial se deu ao trabalho de questionar qualquer ponto, pedir qualquer esclarecimento em assunto tão grave, comprometendo a confiabilidade dos julgamentos daquele Colegiado de quinze integrantes, que sempre votou “à unanimidade”. No episódio da busca e apreensão em minha residência, faço justiça à Polícia Federal, pois fui muito bem tratado, quando o delegado federal Edivaldo Waldemar Gênova, encarregado da operação, mostrou-se um perfeito cavalheiro, diferente do atrabiliário delegado Élzio Vicente da Silva, carrasco que constrangeu até à medula o desembargador Carreira Alvim, como exaustivamente relatado no seu excelente livro “
Operação Hurricane, um juiz no olho do furacão” Conquanto eu não condene a imprensa (no seu direito-dever de informar) nem a Polícia Federal, como órgão de investigação (posto que apenas cumpre ordens), deixo entrever que esta pode influenciar um processo e como pode usar de métodos não ortodoxos para atingir seus objetivos investigatórios, mostrando, inclusive, como o ex-senador do Tocantins Eduardo Siqueira Campos, filho do governador, foi beneficiado, quando o então Superintendente da PF no Estado, Rubem Patury, ao ver que as investigações da “Operação Granada” chegaram àquela autoridade como chefe de uma quadrilha de traficantes, simplesmente lhe entregou o relatório completo das investigações, com as ordens de serviços e toda a papelada comprometedora, que foram devidamente destruídos, abortando todo o trabalho e livrando o senador de um processo criminal. E transferiu para fora do Tocantins, para evitar uma eventual testemunha, os agentes que a conduziram. O leitor constatará, com documentos, como foi forjada a “Maet”, como o relator, que nunca se deu ao trabalho de ler os autos, simplesmente indeferia nossos pedidos e, de outra banda, deferia todos os pedidos do MP, chegando a prorrogar o afastamento de quem nem era mais servidor. E, mais estarrecedor: o parecer protocolado no dia 15, véspera da operação, que pede o afastamento de desembargadores e servidores,
nem cita meu nome, dispensando esforço mental do leitor para concluir que a decisão já estava pronta, aguardando apenas a chegada da cota ministerial, para convalidar a trama. Poderia o relator, sem a provocação do
dominus litis, tomar uma decisão tão drástica por sua própria iniciativa? E como uma plêiade de ministros, supostamente juristas experientes, nem questionou a decisão? Votaram seguramente “em confiança” e à unanimidade. O ministro João Otávio de Noronha nem cita o parecer na sua decisão, como é praxe, porque obviamente estava digitada no aguardo da cota ministerial, apenas para cumprir formalidade processual, pois se a tivesse lido, não teria afastado pelo menos três de nós. E mais: o parecer determinava que a malfadada operação fosse desencadeada no dia 17/12/2010 (sexta-feira), mas o ministro resolveu antecipá-la para o dia 16, certamente para dar tempo de reunir a Corte Especial no dia 17, último dia útil do ano judiciário para referendar a decisão. Estava tão evidente e acertada a operação adrede tramada pela dupla Ministério Público/Superior Tribunal de Justiça, que no dia 15/12/2010 foi encaminhado o parecer da subprocuradora-geral Lindôra Maria Araújo depois das 17 horas, e no dia seguinte a Polícia Federal estava, segundo a imprensa, com mais de 200 agentes preparados (deslocados de outros Estados), veículos locados e documentos assinados para deflagrá-la: não haveria prazo para ler os 12 volumes e 24 apensos, afora os CD´s de escutas e mobilizar tanta gente. Sem precisar fazer maiores exercícios de raciocínio, a clara intenção do condutor do inquérito, o incompetente ministro João Otávio de Noronha em prejudicar, a qualquer custo, os envolvidos, diante das seguidas prorrogações de escutas sem qualquer fundamentação, ferindo a chamada “Lei do Grampo”, passando a vasculhar a vida dos envolvidos por prospecção, fora dos objetivos do inquérito, que, diante dessas prorrogações, durou mais de quatro anos, enquanto mandou arquivar uma sindicância contra o governador tocantinense, Siqueira Campos, em 16 dias, sem ouvir o Ministério Público Federal ou determinar que a Polícia Federal fizesse qualquer investigação., embora instruída com três volumes de documentos, ao passo que o Inquérito nº 569-TO, que surgiu de uma conversa telefônica entre dois advogados. Mas o inquérito sem fim continuava, como o suplício de Sísifo. Terminou em 02/12/2011, com o oferecimento da denúncia, após mais de quatro anos e quatro meses de tramitação. E tudo por causa de um telefonema entre dois advogados. É de mediano entendimento que, se após determinado tempo, não se achando nada que venha comprometer qualquer investigado, a prorrogação injustificada de escutas e do próprio inquérito passa a ser questão pessoal. E isto está mais que demonstrado no livro, pois o relator determinou que a Polícia Federal reabrisse as investigações para ver se encontrava algo comprometedor. Não fosse a diligência do meu competente advogado, Dr. Nathanael Lima Lacerda, não sei o que teria ocorrido comigo. Arriscando a própria pele, atrevi-me a escrever o livro, que faz uma radiografia nua e crua da história do nosso Estado e as artimanhas do Judiciário como um todo. E não quis publicá-lo por duas razões: primeiro, porque a situação política muda a cada dia, e os bandidos de ontem poderão ser os heróis de hoje, e vice-versa; segundo, porque o brasileiro, lamentavelmente, não é dado ao hábito da leitura, e (embora coragem não me faltasse) preferi publicá-lo aos poucos, em artigos, pois o leitor certamente acabará por conhecer o que é o Tocantins e principalmente o que é a Justiça. E fatiando o livro em artigos, o leitor poderá saber de tudo aos pouquinhos.
Liberato Póvoa é
Desembargador aposentado do TJ-TO, Membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, Membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado.