As lições de Carlos Lacerda

Por Redação AF
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26/08/2014 08h52 - Atualizado há 5 anos
<span style="font-size:14px;"><u>K&aacute;tia Abreu</u><br /> <br /> Goste-se ou n&atilde;o, Lacerda marcou 4 d&eacute;cadas de nossa pol&iacute;tica, sendo que ao menos duas como protagonista<br /> <br /> A escassez de lideran&ccedil;as pol&iacute;ticas no Brasil, evocada com o tr&aacute;gico desaparecimento de Eduardo Campos, remete a uma reflex&atilde;o sobre nosso passado, em que talvez se encontrem algumas explica&ccedil;&otilde;es para tal fen&ocirc;meno.<br /> <br /> A verdade &eacute; que as grandes lideran&ccedil;as pol&iacute;ticas nacionais, recentes e remotas, nem sempre desfrutaram em vida do prest&iacute;gio &quot;post mortem&quot;. E isso porque a pol&iacute;tica, entre n&oacute;s, foi sempre, com maior ou menor intensidade, uma atividade malvista e difamada.<br /> <br /> Nosso primeiro imperador, d. Pedro 1&ordm;, abdicou; seu sucessor, d. Pedro 2&ordm;, foi deposto e exilado em 24 horas. Nosso primeiro presidente da Rep&uacute;blica, marechal Deodoro da Fonseca, renunciou, e o primeiro presidente eleito, Prudente de Moras, foi v&iacute;tima de uma tentativa de assassinato.<br /> <br /> Ruy Barbosa, &quot;o maior dos brasileiros&quot;, foi acusado de ter roubado as estantes do Minist&eacute;rio da Fazenda, porque as de sua casa ostentavam as iniciais &quot;RB&quot;, que se referiam obviamente &agrave;s iniciais de seu nome, mas que os advers&aacute;rios afirmavam significar &quot;Rep&uacute;blica Brasileira&quot;, nome que o pa&iacute;s jamais teve.<br /> <br /> Os exemplos n&atilde;o se esgotam a&iacute;, mas esses servem como mostru&aacute;rio. Todos os citados tiveram seus m&eacute;ritos reconhecidos pela posteridade, nem sempre pelos contempor&acirc;neos. &Eacute; claro que tal ambiente, que s&oacute; se agravou, n&atilde;o encoraja o surgimento de novos talentos. As pessoas de bem n&atilde;o querem ser difamadas; as sem escr&uacute;pulos n&atilde;o se importam, desde que se mantenham longe dos tribunais --e pr&oacute;ximas do poder.<br /> <br /> Em abril deste ano, registrou-se o centen&aacute;rio de nascimento de uma das maiores lideran&ccedil;as republicanas --Carlos Lacerda. Sua presen&ccedil;a, goste-se ou n&atilde;o, marcou quatro d&eacute;cadas de nossa pol&iacute;tica, sendo que pelo menos em duas como protagonista. Tinha ideias e n&atilde;o receava defend&ecirc;-las, quer na imprensa, como um dos maiores jornalistas que o pa&iacute;s j&aacute; teve, quer no Parlamento, como um dos maiores tribunos que j&aacute; o integraram.<br /> <br /> Tinha talento, coragem e voca&ccedil;&atilde;o --e pagou caro por isso. Entre seus pecados, n&atilde;o estava o de esconder o jogo. Iniciou-se na vida p&uacute;blica como esquerdista, seguindo a tradi&ccedil;&atilde;o do pai, Maur&iacute;cio de Lacerda, de quem herdou a voca&ccedil;&atilde;o e a natureza arrojada. Fez parte do PCB, do qual acabou saindo, em meio a acusa&ccedil;&otilde;es rec&iacute;procas. Tornou-se, na sequ&ecirc;ncia, um liberal cat&oacute;lico, termo em desuso, j&aacute; que os cat&oacute;licos que hoje entram na pol&iacute;tica o fazem pela porta esquerda da Teologia da Liberta&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Foi pe&ccedil;a-chave em dois momentos decisivos da pol&iacute;tica brasilei- ra no s&eacute;culo passado: no ocaso do governo Vargas, cujo suic&iacute;dio, em agosto de 1954, deu-se duas semanas depois de um atentado a bala que sofreu por parte de integran- tes da Guarda Pessoal da Presid&ecirc;ncia; e na deposi&ccedil;&atilde;o de Jo&atilde;o Goulart, em 1964.<br /> <br /> O golpe que apoiou acabaria por lhe encerrar abruptamente a carreira. Estava, como lembrou o jornalista Otavio Frias Filho em brilhante ensaio publicado na revista &quot;Piau&iacute;&quot;, prestes a empalmar a Presid&ecirc;ncia da Rep&uacute;blica, meta para a qual se preparara ao longo de toda a vida.<br /> <br /> Mas Presid&ecirc;ncia &eacute; destino. Lacerda, que havia passado com &ecirc;xito pelo governo do Estado da Guanabara (&eacute; reconhecido, at&eacute; pelos advers&aacute;rios, como um dos melhores administradores que a cidade j&aacute; teve), tinha todas as credenciais para chegar ao topo --inclusive pol&iacute;- ticas, j&aacute; que as for&ccedil;as que triunfaram em 1964 o tiveram como l&iacute;der e refer&ecirc;ncia.<br /> <br /> Mas seu talento e apetite pol&iacute;tico assustavam at&eacute; os aliados. As elei&ccedil;&otilde;es presidenciais de 1965, compromisso inicial dos militares, foram canceladas. Lacerda tornou-se novamente oposi&ccedil;&atilde;o. E n&atilde;o hesitou em procurar os antigos advers&aacute;rios --Jango e Juscelino-- para articular uma Frente Ampla contra a ditadura. Foi cassado em 1968, aos 54 anos, preso e banido da vida p&uacute;blica pelo AI-5, proibido at&eacute; de escrever em jornais.<br /> <br /> Abominava o r&oacute;tulo &quot;pa&iacute;s do futuro&quot;; queria cumpri-lo no presente, e a pol&iacute;tica era --e &eacute;-- a &uacute;nica via. Fica de sua mem&oacute;ria esta li&ccedil;&atilde;o: o Brasil precisa romper o falso paradigma de que pol&iacute;tica &eacute; sin&ocirc;nimo de podrid&atilde;o, o que s&oacute; favorece os maus pol&iacute;ticos --e impede que voca&ccedil;&otilde;es leg&iacute;timas como a de Lacerda voltem a habitar a vida p&uacute;blica.</span>
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