<span style="font-size:14px;"><u>Kátia Abreu</u><br /> <br /> O Brasil é um dos poucos países que podem responder às necessidades de importação da Rússia<br /> <br /> Por mais que a retórica oficial insista em todos os foros internacionais que o comércio deve ser neutro em relação à política, não há como não ver que o comércio é uma poderosa arma de política externa e que os países mais relevantes da cena mundial não se cansam de usá-la. Vejamos o que se passa com a Rússia.<br /> <br /> Logo após os tumultos políticos envolvendo Rússia e Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia impuseram aos russos um conjunto extenso de sanções econômicas, da restrição de exportações para empresas russas de energia e de equipamentos de defesa a severas restrições a transações financeiras que estão ferindo profundamente o país, muito dependente do sistema financeiro internacional.<br /> <br /> Em resposta, o governo russo, em vez de mobilizar suas forças armadas (ainda bem!), decidiu enfrentar essa nova modalidade de guerra fria com os instrumentos do comércio: impôs embargo à impor- tação de carnes, peixes, leite e derivados, frutas e vegetais dos Estados Unidos, da UE, do Canadá, da Austrália e da Noruega.<br /> <br /> Não se trata de um negócio pequeno. A Rússia é um grande país, com população de 144 milhões de habitantes e um PIB de US$ 2 trilhões. Importa cerca de US$ 318 bilhões ao ano.<br /> <br /> No agronegócio, é o quinto maior importador mundial, ao comprar mais de US$ 44 bilhões/ano. Para ter uma ideia do tamanho e da importância desse mercado, basta que se diga que os russos importam 40% de todos os alimentos que consomem. Para produtores rurais de toda parte, o mercado russo foi sempre um grande objeto de desejo.<br /> <br /> O Brasil sempre esteve presente ali, apesar de inumeráveis dificuldades de ordem burocrática e sanitária, pois os russos sempre monitoraram criteriosamente o acesso a seu precioso mercado.<br /> <br /> Nos últimos cinco anos, o agronegócio brasileiro foi responsável por cerca de 95% das nossas exportações à Rússia, somando em média US$ 3 bilhões/ano. Isso contribui para um saldo comercial total expressivo, que já chegou a ultrapassar US$ 1 bilhão. Mas a verdade é que os maiores fornecedores do mercado russo sempre foram os europeus, que agora viram essas portas subitamente se fecharem.<br /> <br /> Todos sabemos que os governos não brincam quando o assunto é a garantia da oferta de alimentos à população. Ao fazer dos produtos alimentares o objeto das sanções contra europeus e americanos, o governo russo sabia que estava ferindo interesses muito importantes e difusos nesses países, causando danos econômicos a comunidades extensas de produtores.<br /> <br /> Escolheu um alvo que terá custos políticos relevantes nos países afetados. Mas, por certo, também calculou que poderia substituir facilmente esses países por novos parceiros que teriam capacidade e disposição de preencher o vazio que se abria. Caso contrário, provocaria crise no abastecimento de produtos básicos, abalando seu apoio político interno e a estabilidade econômica.<br /> <br /> O mundo não tem muitos países capazes de responder rapidamente a uma oportunidade como essa. O Brasil é um dos poucos. Se falharmos, a Rússia estará em apuros. Mas estamos respondendo, ao menos em parte.<br /> <br /> No caso das carnes, nossas vendas deram enorme salto no último trimestre. Comparando agosto de 2013 com agosto de 2014, as vendas de carne bovina cresceram 21%, as de carne suína 82%, e as de carne de frango 50%.<br /> <br /> Em setembro, a alta foi maior: 23% a mais de carne bovina, 227% de carne de frango e 173% de carne suína. E são valores altos. Somente em setembro, a soma desses três itens chegou a US$ 533 milhões.<br /> <br /> O mesmo se deu com as frutas. Quase não exportávamos e, só em setembro deste ano, vendemos 500 toneladas de bananas, 132 de mangas e 67 de uvas, abrindo, ainda que timidamente, um imen- so mercado.<br /> <br /> Resta-nos, agora, o desafio de exportar leite, manteiga e queijo, demandados em grandes volumes e antes supridos por produção europeia. Com audácia e competência, poderemos nos tornar em lácteos também um grande produtor mundial.<br /> <br /> Isso tudo mostra que, apesar das dificuldades e das crises, a capa- cidade do agro brasileiro de criar riqueza ainda tem muito campo pela frente.<br /> <br /> <strong><u>KÁTIA ABREU</u></strong>, 52, senadora (PMDB-TO), escreve </span><span style="font-size:14px;">aos sábados na Folha de S.Paulo</span><span style="font-size:14px;">.</span>