21 de janeiro

Toda crença diferente da cristã sofre preconceito, diz líder das Casas de Culto no Tocantins

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado anualmente em 21 de janeiro.

Por Weslene Rocha 1.065
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21/01/2019 09h12 - Atualizado há 5 anos
Roberta de Oxoguiã

Criado há 12 anos, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado anualmente em 21 de janeiro. A data serve para alertar sobre o desrespeito às crenças existentes no país.

Apesar de o Estado ser considerado laico, a legislação brasileira proíbe qualquer tipo de intolerância, sendo a prática religiosa livre no país.

A presidente da FECCAMTO (Federação das Casas de Culto de Matriz Afro Brasileira), Roberta de Oxoguiã, de nome sagrado Iyalorisa Ifalore Efuntolá, contou que o culto da sua religião já é uma tradição muito antiga, originária da África.

"A Casa Branca da Serra - Ilè Asé Funfún Osoguiã tem como tradição o culto a Orixá, e o culto a Orixá no modelo antes da vinda dos negros escravizados da África para o Brasil”, disse explicando que há diferentes cultos a Orixás.

No Brasil, a forma mais conhecida popularmente é o candomblé, que é uma mistura, um culto afro-brasileiro. Mas também existe o culto a Orixá prédiáspora, que é na forma como o Orixá era cultuado na África.

Principalmente como potências divinas na terra, os Orixás são energias, são forças individuais com características próprias que receberam de Eledumare (comparado ao conceito cristão de Deus criador, supremo) a incumbência de ocupar e dominar as energias e forças da natureza na terra.

“Cada Orixá rege um elemento da natureza, tem na sua história o domínio de alguma atividade que é fundamental para o ser humano. Essa é a síntese da crença em que Deus está presente na natureza, na forma das suas potências divinas, que são os orixás”, disse Roberta de Oxoguiã.

A presidente da FECCAMTO falou também sobre o preconceito vivido diariamente pelos praticantes das religiões de matriz africana. “As pessoas que trajam de branco, que usam fios de conta coloridos, que usam panos ou lenços ojás na cabeça são identificadas como ‘macumbeiros’ sem que as pessoas saibam direito o que é isso”, disse.

“Um termo que foi utilizado de forma depreciativa e para dizer que são pessoas ligadas às práticas do mal, isso é uma ideia que foi impregnada desde a época da escravidão, de que a religiosidade do negro era inferior à do branco, e de que era voltada para fazer o mal”, contou ela.

Roberta de Oxoguiã também afirmou que todos os cultos de origem em alguma crença diferente da cristã ou que é anterior ao cristianismo, passa por muito preconceito.

Ela reforçou que a discriminação da religião vem da época da escravidão. “Como os brancos, senhores de escravos queriam manter o domínio dessa mão de obra negra a todo custo, a tentativa foi de catequizar os negros e submetê-los, além da força bruta, também a religião do homem branco”, relatou.

“Isso não funcionou porque boa parte do povo negro que chegou aqui escravizado ao longo das décadas foi se libertando, foi se organizando em Quilombos, mantendo uma resistência, inclusive cultuando seus orixás sob o manto do santos católicos, disfarçando a sua crença”,  contou ela, sobre o surgimento do sincretismo, que é a união de doutrinas diferentes.

A liberdade de culto foi promovida desde a década de 40 no Brasil, num projeto de autoria do então Deputado Federal Jorge Amado, e mesmo hoje é um desafio para os praticantes dessas religiões.

“Ainda existe um desafio para o povo de santo, povo de terreiro ser respeitado na sua crença, então ainda há confronto, pastores desafiando pais-de-santo, evangélicos criando situações de constrangimento para casas de culto, para pessoas individualmente e há uma série de situações de intolerância religiosa”, disse a presidente.

Há inúmeras vertentes de cultos de matriz afro e é mais comum do que se imagina, como contou Roberta de Oxoguiã. “Existem as benzedeiras, que embora seja um trabalho com santos católicos, trabalham com ervas, com o conhecimento da pajelança que os índios e os negros trouxeram. Existe o Terecô, que veio do Maranhão, grupos de culto à Jurema, Umbanda, Candomblé, o culto à Orixá na tradição Africana, o culto a Ifá que é o Orixá do destino, que é um culto distinto do culto orixás e muitos outros”, afirmou.

Catalogado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) há mais de 3 anos, existem mais de 25 casas que permitiram ser identificadas, além de outros pontos de culto, fundos de quintais, quartos de santo, pessoas que fazem os seus rituais e mantém acesa sua fé, mas sem se declarar para não sofrer nenhum tipo de represália.

Roberta de Oxoguiã acredita que as pessoas devem procurar conhecer mais, pois o conhecimento é a luz que enfrenta a treva da ignorância.  “Quando você conhece as diversas crenças e você compreende que as pessoas têm direito a preservar a crença dos seus antepassados, manter viva a memória dos seus ancestrais, você compreende que não há nenhum mal nem ameaça nisso, então se eu quero tocar um tambor, cantar uma cantiga de 2 ou 3 mil anos atrás, qual é o problema nisso?”, questionou ela.

Ela também contou que é comum as pessoas procurarem terreiros em momentos críticos da vida. “Na hora do aperto todo mundo tem um pé do terreiro, porque isso tá muito entranhado na cultura brasileira e tocantinense. O povo tocantinense na sua origem mais de 70% é negro ou afrodescendente”, contou ela, lembrando do povo escravo que ergueu as grandes cidades do norte goiano, como Natividade, Dianópolis e Porto Nacional.

Roberta também falou sobre a existência de afrodescendência na história do Tocantins. “São muitos descendentes que trazem sua reza, sua mandinga, seu conhecimento para tirar o quebranto, para levantar uma 'arca caída', o seu cházinho, a sua erva que tira uma dor de cabeça, a que cura uma doença, então porque não respeitar isso?”, alfinetou.

“É preciso haver respeito com relação a isso, procure conhecer, visitar as casas de axé, saber com quem vive isso no dia a dia, e aí haverá menos preconceito e mais respeito. Nós não precisamos ser tolerados, somos cidadãos de primeira classe como qualquer outro e nós precisamos ser respeitados, que é o que a lei nos faculta e garante”, finalizou ela.

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