Administrar uma fazenda não é apenas cuidar do gado: é gerenciar uma operação empresarial.
Keslon Borges | Artigo
A pecuária brasileira, reconhecida mundialmente por sua força produtiva, vive um momento de transição crucial. Antes vista como uma atividade centrada apenas na criação de animais, hoje exige a mentalidade de um verdadeiro empresário rural. Essa mudança não é opcional: é uma questão de sobrevivência. Nesse cenário, o uso de ferramentas de hedge — como contratos futuros e opções — deixou de ser um diferencial competitivo e passou a ser uma necessidade vital para enfrentar margens cada vez mais apertadas e um mercado mais volátil.
Historicamente, o pecuarista era um criador que lidava com ciclos relativamente estáveis e dependia de fatores naturais, como pastagem e clima. Contudo, o ambiente atual é muito diferente. A globalização dos mercados, o aumento das exigências dos consumidores e a volatilidade dos preços transformaram a pecuária em uma atividade empresarial complexa.
Essa complexidade se reflete na redução gradual das margens de lucro. Os custos de produção, como ração, medicamentos e suplementação, têm aumentado, enquanto o preço da carne enfrenta variações imprevisíveis no mercado interno e externo. Em paralelo, a pressão por eficiência, sustentabilidade e rastreabilidade adiciona camadas de desafios ao pecuarista.
Hoje, administrar uma fazenda não é apenas cuidar do gado: é gerenciar uma operação empresarial, lidar com contratos, controlar custos e antecipar cenários econômicos.
Hedge: Proteção Contra a Incerteza
É exatamente nesse contexto que as ferramentas de hedge entram em cena. Hedge é o termo usado para estratégias que visam proteger o produtor contra as oscilações nos preços do mercado. Em um setor onde o preço da arroba pode cair ou subir de forma inesperada, essas ferramentas garantem previsibilidade e segurança, permitindo que o pecuarista se concentre em sua operação, sem ser surpreendido por perdas financeiras inesperadas.
As opções e contratos futuros, negociados na Bolsa (B3), são exemplos práticos de hedge. Eles permitem ao pecuarista:
Fixar um preço mínimo de venda para a arroba do boi (proteção com opções Put).
Aproveitar cenários de alta no preço, sem perder a proteção contra quedas.
Reduzir a exposição ao risco, garantindo margens mínimas de lucro.
Essas ferramentas, antes usadas apenas por grandes pecuaristas ou investidores, tornaram-se acessíveis e essenciais até mesmo para médios e pequenos produtores.
Um erro comum na pecuária é pensar que o objetivo é apenas criar e engordar animais. Na verdade, como qualquer outro setor empresarial, a pecuária tem como meta o lucro. O produtor não pode depender da sorte ou das condições de mercado para fechar suas contas no azul. É preciso planejar e gerenciar riscos.
O hedge se alinha a essa visão, pois transforma o pecuarista em um empresário rural que toma decisões baseadas em inteligência de mercado e dados confiáveis. É uma mudança de paradigma: o produtor deixa de ser apenas um criador de bois para se tornar um gestor estratégico, preparado para lidar com a volatilidade.
O uso de hedge não é uma decisão isolada. Ele faz parte de um conjunto maior de práticas de gestão de risco e inteligência de mercado. Com o avanço da tecnologia, os pecuaristas têm acesso a informações detalhadas sobre tendências de preço, oferta e demanda, câmbio e outros fatores que impactam diretamente o mercado pecuário.
Por exemplo:
Uma queda na exportação de carne para a China pode derrubar os preços da arroba no Brasil em questão de dias.
Um aumento no custo do milho e do farelo de soja, principais insumos na suplementação, pode afetar as margens de engorda.
Com ferramentas de inteligência de mercado, o produtor pode antecipar esses movimentos e ajustar sua estratégia de hedge para minimizar perdas ou maximizar ganhos.
A tendência de longo prazo na pecuária é clara: margens de lucro cada vez menores e uma gestão mais difícil. Isso não significa que o setor está fadado ao fracasso, mas sim que ele exige uma postura mais profissional e estratégica.
O pecuarista que se adaptar a esse novo cenário, adotando ferramentas de gestão de risco, tecnologias e práticas de mercado, estará mais preparado para enfrentar as adversidades e aproveitar as oportunidades.
Por isso, a adoção de hedge não é apenas uma escolha inteligente; é uma decisão necessária. Em um mercado imprevisível, proteger-se contra a volatilidade não é mais uma vantagem competitiva — é a garantia de sobrevivência.
A pecuária, como qualquer outro negócio, exige lucro para se manter sustentável. Nesse sentido, ferramentas como o hedge deixam de ser um "luxo" e se tornam parte indispensável da gestão moderna. O pecuarista que entender essa realidade e investir em inteligência de mercado estará melhor posicionado para enfrentar os desafios do futuro e garantir o sucesso de sua operação.
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Keslon Borges é economista, assessor de investimentos atuando na área de Planejamento Financeiro e Hedge.