Artigo

Ferramentas de hedge na pecuária: da diferenciação competitiva à garantia de sobrevivência

Administrar uma fazenda não é apenas cuidar do gado: é gerenciar uma operação empresarial.

Por Colaboração do leitor
Comentários (0)

23/11/2024 09h24 - Atualizado há 2 meses
Keslon Borges é assessor de investimentos

Keslon Borges | Artigo

A pecuária brasileira, reconhecida mundialmente por sua força produtiva, vive um momento de transição crucial. Antes vista como uma atividade centrada apenas na criação de animais, hoje exige a mentalidade de um verdadeiro empresário rural. Essa mudança não é opcional: é uma questão de sobrevivência. Nesse cenário, o uso de ferramentas de hedge — como contratos futuros e opções — deixou de ser um diferencial competitivo e passou a ser uma necessidade vital para enfrentar margens cada vez mais apertadas e um mercado mais volátil.

Historicamente, o pecuarista era um criador que lidava com ciclos relativamente estáveis e dependia de fatores naturais, como pastagem e clima. Contudo, o ambiente atual é muito diferente. A globalização dos mercados, o aumento das exigências dos consumidores e a volatilidade dos preços transformaram a pecuária em uma atividade empresarial complexa.

Essa complexidade se reflete na redução gradual das margens de lucro. Os custos de produção, como ração, medicamentos e suplementação, têm aumentado, enquanto o preço da carne enfrenta variações imprevisíveis no mercado interno e externo. Em paralelo, a pressão por eficiência, sustentabilidade e rastreabilidade adiciona camadas de desafios ao pecuarista.

Hoje, administrar uma fazenda não é apenas cuidar do gado: é gerenciar uma operação empresarial, lidar com contratos, controlar custos e antecipar cenários econômicos.

Hedge: Proteção Contra a Incerteza

É exatamente nesse contexto que as ferramentas de hedge entram em cena. Hedge é o termo usado para estratégias que visam proteger o produtor contra as oscilações nos preços do mercado. Em um setor onde o preço da arroba pode cair ou subir de forma inesperada, essas ferramentas garantem previsibilidade e segurança, permitindo que o pecuarista se concentre em sua operação, sem ser surpreendido por perdas financeiras inesperadas.

As opções e contratos futuros, negociados na Bolsa (B3), são exemplos práticos de hedge. Eles permitem ao pecuarista:

  1. Fixar um preço mínimo de venda para a arroba do boi (proteção com opções Put).

  2. Aproveitar cenários de alta no preço, sem perder a proteção contra quedas.

  3. Reduzir a exposição ao risco, garantindo margens mínimas de lucro.

Essas ferramentas, antes usadas apenas por grandes pecuaristas ou investidores, tornaram-se acessíveis e essenciais até mesmo para médios e pequenos produtores.

Um erro comum na pecuária é pensar que o objetivo é apenas criar e engordar animais. Na verdade, como qualquer outro setor empresarial, a pecuária tem como meta o lucro. O produtor não pode depender da sorte ou das condições de mercado para fechar suas contas no azul. É preciso planejar e gerenciar riscos.

O hedge se alinha a essa visão, pois transforma o pecuarista em um empresário rural que toma decisões baseadas em inteligência de mercado e dados confiáveis. É uma mudança de paradigma: o produtor deixa de ser apenas um criador de bois para se tornar um gestor estratégico, preparado para lidar com a volatilidade.

O uso de hedge não é uma decisão isolada. Ele faz parte de um conjunto maior de práticas de gestão de risco e inteligência de mercado. Com o avanço da tecnologia, os pecuaristas têm acesso a informações detalhadas sobre tendências de preço, oferta e demanda, câmbio e outros fatores que impactam diretamente o mercado pecuário.

Por exemplo:

  • Uma queda na exportação de carne para a China pode derrubar os preços da arroba no Brasil em questão de dias.

  • Um aumento no custo do milho e do farelo de soja, principais insumos na suplementação, pode afetar as margens de engorda.

Com ferramentas de inteligência de mercado, o produtor pode antecipar esses movimentos e ajustar sua estratégia de hedge para minimizar perdas ou maximizar ganhos.

A tendência de longo prazo na pecuária é clara: margens de lucro cada vez menores e uma gestão mais difícil. Isso não significa que o setor está fadado ao fracasso, mas sim que ele exige uma postura mais profissional e estratégica.

O pecuarista que se adaptar a esse novo cenário, adotando ferramentas de gestão de risco, tecnologias e práticas de mercado, estará mais preparado para enfrentar as adversidades e aproveitar as oportunidades.

Por isso, a adoção de hedge não é apenas uma escolha inteligente; é uma decisão necessária. Em um mercado imprevisível, proteger-se contra a volatilidade não é mais uma vantagem competitiva — é a garantia de sobrevivência.

A pecuária, como qualquer outro negócio, exige lucro para se manter sustentável. Nesse sentido, ferramentas como o hedge deixam de ser um "luxo" e se tornam parte indispensável da gestão moderna. O pecuarista que entender essa realidade e investir em inteligência de mercado estará melhor posicionado para enfrentar os desafios do futuro e garantir o sucesso de sua operação.

______________

Keslon Borges é economista, assessor de investimentos atuando na área de Planejamento Financeiro e Hedge.

Comentários (0)

Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

(63) 3415-2769
Copyright © 2011 - 2025 AF. Todos os direitos reservados.