<span style="font-size:14px;"><u>Kátia Abreu</u><br /> <br /> A produção de alimentos, assim como a ecologia, é ciência, não ideologia. Não podem, pois, viver em conflito<br /> <br /> O conhecido ditado italiano "primo mangiare, dopo filosofare" encerra uma verdade inapelável: a prioridade mundial, acima de qualquer outra, da produção de alimentos.<br /> <br /> A luta contra intempéries climáticas e outros desafios da natureza tem mobilizado a civilização a buscar recursos na ciência --um dom divino-- para que essa produção acompanhe o vertiginoso crescimento demográfico e impeça a fome mundial.<br /> <br /> Essa luta produziu a assim chamada revolução verde, nos anos 1960 e 1970, com a inserção de tecnologias no setor produtivo agrícola, sobretudo o advento de novas sementes e práticas que permitiram, nas décadas seguintes, vasto aumento da produção em países menos desenvolvidos.<br /> <br /> Enfrentou-se, com sucesso, o desafio da fome mundial por meio do melhoramento genético de sementes, insumos industriais, mecanização e redução do custo de manejo. Mas a população mundial não cessou de crescer e os desafios da demanda persistem.<br /> <br /> Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), é preciso aumentar a produção mundial de alimentos em 70% nos próximos 40 anos para erradicar a fome no planeta. E o Brasil tem papel relevante nesse processo, não só pela abundância de recursos naturais, mas por sua capacidade técnica, exportando conhecimentos e experiências.<br /> <br /> Hoje, diz a FAO, a maior preocupação com relação à segurança alimentar está voltada para a Ásia e a África Subsaariana. E é da Ásia que surgem sinais auspiciosos de uma segunda revolução verde, para superar uma realidade catastrófica em que, de cada seis pessoas no planeta, uma passa fome, e a cada cinco minutos uma criança morre por desnutrição.<br /> <br /> O arroz está no centro dessa mudança, como narra a revista "The Economist" em uma de suas últimas edições. Tudo começou com um pequeno agricultor indiano, Asha Ram Pal que plantou, em 2008, uma semente experimental --a Sub 1-- desenvolvida pelo Instituto Internacional de Pesquisas com Arroz (RRI).<br /> <br /> Sobrevieram as chuvas, que inundaram a plantação por duas semanas. Em circunstâncias normais, teria perda total. Mas a semente contém uma sequência genética que a coloca em uma espécie de hibernação quando submersa, permitindo que, em vez de se afogar, o arroz cresça quando as águas baixam.<br /> <br /> Como as inundações são comuns na região, a nova semente permitiu que a produção anual daquele pequeno agricultor passasse de 1 tonelada para 4,5 toneladas. Essa semente está se espalhando pelo mundo.<br /> <br /> Cinco anos após os primeiros testes de campo, cinco milhões de agricultores estão plantando mais de uma dúzia de variedades de arroz com genes resistentes a inundações.<br /> <br /> A velocidade de propagação é ainda mais rápida do que na primeira revolução verde. E a Sub 1, ao atrair novos capitais para a agricultura, viabilizou mais pesquisas.<br /> <br /> As áreas de arroz mais produtivas do mundo são os deltas dos grandes rios da Ásia, embora vulneráveis à elevação do nível do mar e ao aumento da salinidade, que mata a semente. Anuncia-se para os próximos anos a produção de sementes que toleram a seca, a salinidade e o calor extremo, propiciando o cultivo, em regiões adversas, de importantes fontes de calorias para a humanidade.<br /> <br /> Esses avanços alcançarão também o Brasil e certamente trarão impactos positivos para o Nordeste e parte da região Sul, onde fatores climáticos têm criado obstáculo ao aumento da produção.<br /> <br /> O mais importante: essa segunda revolução verde não se limita a adaptar sementes de arroz a ambientes específicos. Empenha-se em melhorar a qualidade nutricional do produto, e não apenas o número de calorias.<br /> <br /> A primeira revolução verde ensejou o debate ambiental, indispensável à supressão de efeitos colaterais nocivos. A segunda revolução ocorre já sob a égide dessa nova ciência, a ecologia, cujos fundamentos acompanham as pesquisas.<br /> <br /> Porém, a exploração político ideológica a que o tema tem sido submetido inibe os governos a apoiar as pesquisas genéticas, não obstante os bilhões de vidas que podem salvar. A produção de alimentos, assim como a ecologia, é ciência, não ideologia. Não podem, pois, viver em conflito.<br /> <br /> KÁTIA ABREU, 52, senadora (PMDB-TO), escreve aos sábados nesta coluna.</span>