Revelações graves

Delegado da PF pressionou testemunha por 'colaboração' em operação que afastou Carlesse; ouça

Gravação coloca em xeque os métodos empregados pela Operação Éris.

Por Redação 3.678
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14/10/2022 09h10 - Atualizado há 1 ano
Carlesse foi afastado do governo durante a Operação Éris

Reportagens investigativas apuradas pela Agência Pública – especializada em jornalismo investigativo -, trouxeram à tona suspeitas de graves ilegalidades e até de manipulações na avalanche de operações policiais que resultaram no afastamento do então governador Mauro Carlesse (Agir), em outubro de 2021.

A revelação mais grave diz respeito à atuação de um dos delegados da Polícia Federal, que teria pressionado um delegado da Polícia Civil para depor como testemunha em troca de não ser investigado ou denunciado. O caso foi apurado pelos jornalistas Rubens ValenteCiro Barros.

 “Então assim, deixar o jogo bem claro. A gente conversou com a PGR, o [delegado] Mauro, que é quem coordena isso, tá mais à frente, e nossa posição era essa. Ou se vocês não colaborarem, a gente coloca ‘investigado’, cês tem ciência de tudo que estava se passando ali. Ou se vocês colaborarem a gente ouve vocês como testemunha que pra gente é bom, melhor pra vocês também é muito bom. Ou seja, vocês saem da ação penal, saem da condição de investigado, vem pra testemunha e não sofrem reflexo penal, administrativo, cível nenhum e a gente só se pauta na questão de informações. Que vocês tendem a passar pra gente.”

A proposta foi feita pelo delegado da PF em Palmas Duílio Mocelin Cardoso — ex-integrante da Operação Lava Jato em Curitiba (PR) — e foi gravada em novembro de 2021 por um delegado da PC-TO, Thiago Emanuell Vaz Resplandes, quando ele prestava depoimento à PF no decorrer da Operação Éris.

Poucas semanas antes da gravação, em 2021, a operação interrompia mais um governo na história do Tocantins, — nos últimos 15 anos, o Estado teve quatro mandatos de governador não concluídos, com afastamentos forçados pela Justiça.

No termo de depoimento de Thiago Resplandes, ele foi identificado como “depoente” e “foi alertado do compromisso de dizer a verdade”, como se tivesse aceitado a proposta da PF. Na gravação, o delegado da PF fala que “depende do senhor, do que o senhor vai…”. Resplandes interrompe: “Posso contar tudo o que sei, o que eu sei posso contar sim”.

Contudo, um mês depois do depoimento, Resplandes acabou denunciado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo por suposta “falsidade ideológica em documento público”, corroborando a tese policial que ele acreditava ter afastado durante seu depoimento, o mesmo que ele gravou. Em julho deste ano, inconformado com a promessa não cumprida da PF, Resplandes explodiu.

Ele entregou a gravação à 1ª Vara Criminal de Palmas acompanhada de um pedido de busca e apreensão de provas que ele considera indispensáveis para sua defesa. O pedido foi subscrito por outro investigado, o ex-delegado e atual procurador do município de Palmas Paulo Henrique Gomes Mendes. No dia 30 de agosto, o juiz Rafael Gonçalves de Paula reconheceu a procedência do pedido dos delegados e determinou a cópia dos documentos apontados pela defesa. Em 5 de setembro, três peritos copiaram e entregaram o material ao juiz — que agora analisa os documentos.

Guardadas em sigilo desde então, a gravação e as novas afirmações de Resplandes e Mendes agitam os bastidores do Judiciário e da polícia de Tocantins.

No primeiro depoimento que Resplandes prestou à PF, em 20 de outubro daquele ano, ele achou estranho o tom adotado pelos seus interrogadores. No segundo depoimento, em 10 de novembro, resolveu acionar o gravador do telefone.

A gravação do depoimento de Resplandes demonstra que Mocelin foi muito claro ao explicar a estratégia da investigação e a proposta que tinha a fazer.

“Nosso objetivo não é vocês. Nosso objetivo é a galera lá. O quê que a gente está pensando? Vocês falarem as coisas, a gente ouve vocês como testemunhas. Esquece a condição de investigado e qualquer tipo de coisa. E aí vocês abrem pra gente toda aquela questão de apresentação dos nomes de delegados”, disse Mocelin a Resplandes.

“Vocês” se referia a Resplandes e ao outro delegado que também atuava no gabinete da Secretaria de Segurança Pública, Paulo Henrique Gomes Mendes.

Na gravação, Mocelin aparece antecipando o destino que, segundo ele, aguardava os outros delegados investigados na mesma operação. Ao listar o que aconteceria com os outros delegados, Mocelin emparedava Resplandes. Disse que no caso da diretora-geral da Polícia Civil, Raimunda Bezerra de Souza, seria “caixão, demissão”, que três delegados (Gilberto Augusto Oliveira Silva, Cinthia Paula de Lima e Ronan Almeida Souza) seriam demitidos e que o secretário, Cristiano, “tá ferrado”. Citou ainda que “tem dez anos aí de pena no mínimo pra galera”.

Mocelin disse: “O nosso objetivo é demissão, ou seja, tirar todo mundo”. Mas para outros casos, como de “Juliana”, “a gente vai deixar ela de fora”, pois “a gente não identificou por ora elemento que caracteriza”. Esse foi o mote para o delegado lançar o ultimato: “Caso do senhor e do Paulo a mesma coisa [deixar fora], caso os senhores concordem”. 

Mais adiante, o delegado disse que estava falando a situação da “galera toda” com o seguinte objetivo: “Eu só tô te falando isso pra você pensar bem na sua postura”.

“A gente não está querendo colocar nem o senhor nem o Paulo nem a Juliana. […] A gente pode… Qualquer caminho que a gente seguir é viável. Só que a gente prefere vocês como testemunhas e que nos passem todas as informações do que processá-los.”

A gravação coloca em xeque os métodos empregados pela Operação Éris, que ganhou destaque nacional em outubro de 2021. A Agência Pública passou 13 dias em Palmas e ouviu uma dúzia de pessoas para investigar e jogar luz à operação.

A operação foi desencadeada pela PF no Tocantins sob o comando do poderoso delegado de combate ao crime organizado no Estado, Mauro Fernando Knewitz, a pedido da subprocuradora Lindôra, pessoa da alta confiança do procurador-geral da República, Augusto Aras, e por ordem do ministro relator do caso no STJ, Mauro Campbell.

OUÇA A GRAVAÇÃO

Vídeo

OPERAÇÃO ÉRIS

Desencadeada em outubro de 2021, a Operação Éris alterou todo o cenário eleitoral de 2022 no Tocantins, ao enterrar o então governador Carlesse à reeleição e trazer ao poder o grupo político do seu vice-governador, Wanderlei Barbosa (Republicanos), que assumiu o cargo do governador após a decisão do STJ e terminou reeleito na campanha deste ano. Junto com Barbosa ganhou prestígio e poder o mesmo grupo de delegados da Polícia Civil cujas denúncias e afirmações haviam colaborado para a queda de Carlesse.

COLABORAÇÃO FORÇADA

Thiago Resplandes recebeu as afirmações dos representantes da PF como uma estratégia para atemorizá-lo a fim de obter sua “colaboração”. Na petição entregue à 1ª Vara Criminal de Palmas, Resplandes e Mendes escreveram que “a Polícia Federal constrangeu ilegalmente os requerentes com o emprego de grave ameaça e fraude, a fim de obter informação que sustentasse a (falsa) versão acusatória”.

“Nesse sentido, a Polícia Federal: (i) fez a grave ameaça de colocar os requerentes na condição de investigados e de inventar fatos contra eles, caso não ‘colaborassem’ com a versão acusatória, a qual foi forjada, o que daria causa, ilegalmente, à responsabilização criminal, administrativa e civil de ambos (como, de fato, vem ocorrendo)”, escreveram o delegado e o ex-delegado.

Eles disseram ainda, na petição, que a PF “manipulou a condição dos requerentes na investigação, pois os inquiriu como ‘investigado disfarçado de testemunha’. Com isso, burlou diversos direitos constitucionais, como o de permanecer em silêncio e o de ser assistido por advogado”.

“Espanta que, mesmo o requerente Thiago sendo um delegado de polícia, a Polícia Federal teve a audácia de constrangê-lo ilegalmente e de empregar fraude contra ele […]. A Polícia Federal os tratou como objetos em suas mãos, como se o destino deles se sujeitasse ao bel-prazer dos órgãos encarregados da persecução penal, a demonstrar o total desapego para com a dignidade da pessoa humana. Cabe anotar que, se não fosse a gravação ambiental, os requerentes jamais conseguiriam desincumbir-se do ônus de provar as ilegalidades que sofreram, mesmo porque elas parecem surreais e foram cometidas por órgão que goza de bastante credibilidade perante todos, de modo que seriam apenas mais uma ‘cifra dourada’.”

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