12 meses sem salário

Médico conta experiências marcantes das 80h de greve de fome, mesmo sem receber salários atrasados

Por Redação AF
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05/09/2016 09h33 - Atualizado há 5 anos
Após 80 horas de greve de fome, que terminou com uma internação hospitalar à contragosto, na tarde do último sábado (03/09), o médico anestesista do Hospital Regional de Araguaína, Roberto Corrêa Ribeiro de Oliveira, não recebeu os 12 meses de salário atrasado do Governo do Estado, mas tem muita história para contar e um aprendizado que marcará para sempre sua vida. Roberto iniciou a greve de fome no último dia 31 de agosto, em protesto contra o descaso do governo do Estado, que não paga os profissionais há cerca de 12 meses. A dívida acumulada com a Cooperativa que representa a categoria soma R$ 13 milhões. Veja a carta do médico: “O que aprendi em 80h de greve de fome. Quando tomei a decisão de fazer greve de fome para reivindicar o recebimento de 12 meses de salários atrasados criei uma grande crise familiar. Todos se desesperaram, pois temiam pela minha segurança e pelo comprometimento de minha saúde. Confesso que medida tão extrema, só foi utilizada porque a indignação de estar impossibilitado de honrar os seus compromissos familiares, estando trabalhando diariamente e com 12 meses de salários atrasados, sem perspectivas de recebimento, foi maior que o medo de me expor publicamente. Quantos brasileiros não passam por situação semelhante no país? Estamos com mais de 12 milhões de desempregados. Todos tiveram a sua dignidade roubada por cidadãos inescrupulosos que só se preocupam em predar a nação. Às vezes olho na TV as cenas degradantes de idosos sendo conduzidos pela PF, e me pergunto: Será que esses senhores não se envergonham de passarem por esse tipo de situação? Os representantes públicos precisam saber que ao roubarem o suado dinheiro arrecadado de nossos impostos, roubam também a nossa dignidade. O dinheiro usado para comprar os carros luxuosos, as mansões, os iates, os helicópteros e jatinhos, é o mesmo dinheiro que seria utilizado para reformar e construir hospitais, comprar medicamentos, construir escolas, melhorar a segurança pública, investir em infraestrutura. Como podem fechar os olhos para tantas mazelas? Ao ficar 4 dias e 8h, em greve de fome, em frente ao pronto socorro do Hospital Regional de Araguaína (TO), sentado em uma cadeira, dormindo ao ar livre e utilizando o mesmo banheiro público que os pacientes, pude aprender algumas boas e importantes lições. Aprendi que dói ficar sentado por horas e horas em uma cadeira sem poder esticar o corpo para dormir (no primeiro dia dormi em uma cadeira comum). Os ponteiros do relógio se arrastam l e n t a m e n t e. Que o grito doido de uma mãe que acabou de recebeu a notícia, que seu filho havia falecido, após dar entrada no pronto socorro, penetra no coração da gente como uma lâmina gelada, dilacerando-o. Dói n'alma. Também não pude deixar de observar, que todas as noites chegavam moradores de rua, que silenciosamente preparavam seu cantinho para dormir. Arrumavam "dignamente" o seu leito de descanso: abriam sua sacolinha de plástico, tiravam não sei o quê de dentro dela, pegavam um pedaço de papelão, ajeitavam e dormiam. Não se importaram de dividir comigo a sua moradia, afinal de contas, há muito já tinham desistido de lutar e de se considerarem cidadãos brasileiros. Uma noite, vi meu vizinho se remexendo e gemendo. Senti que algo o incomodava. Fiquei com pena, queria ajudá-lo, pois achei que estivesse com fome. Infelizmente, por estar me privando da alimentação por vontade própria, não tinha comigo nenhum alimento para oferecer-lhe. Peguei um copo de água de coco, abri e dei a ele. Após beber, deitou-se, disse que estava com fome e dormiu. Meu coração partiu. A noite é longa. Viaturas dos mais variados tipos, chegavam na porta do PS, sem parar e a todo o instante, trazendo os mais diferentes tipos de pacientes: SAMU, BOMBEIROS, PM. Todos trabalhando arduamente enquanto a maioria dormia em suas residências. Esses trabalhadores deveriam ser tratados com mais respeito e consideração pelo governo e pela sociedade, já que arriscam as suas vidas para proteger as nossas. Outra cena que me sensibilizou, foi quando fui ao banheiro à noite. Ao passar pela sala de espera, percebi uns 3 velhinhos assistindo TV que estava presa no suporte da parede. Lembrei-me de meus avós, quando no domingo, assistiam seu programa predileto, Silvio Santos. Descobri que eles perambulavam pela rua durante o dia e à noite utilizavam a recepção do PS como sala de TV. Muitas foram as lições. Pessoas simples me levavam coco natural semi-descascados, botões de rosas, orações, suas netas para tirarem fotos, um abraço amigo, um aperto de mão calejada, uma palavra de consolo e esperança. Foram muitas emoções nestes poucos dias de jejum e protesto. Não poderia deixar de relatar os vários relatos de dificuldades semelhantes à minha de outras categorias profissionais (professores, servidores públicos, etc). Muitas pessoas se diziam impressionadas e chocadas pois não acreditavam que um médico pudesse passar por dificuldades financeiras. Alguns me disseram que viram pessoas ricas e pobres, de mais idade, se compadecendo com o meu sofrimento (algumas até choraram). Foi um momento importante para mostrar para toda a sociedade que médico é um trabalhador como qualquer outro. O médico também sofre quando tem dificuldades para sustentar com dignidade a sua família. A riqueza deste ambiente me dava força e ao mesmo tempo me distraia. A fome com o passar dos dias deixou de ser um problema. O estômago só doeu nos 2 primeiros dias. O apoio dos amigos, dos estudantes de medicina e de minha família, foi fundamental para minimizar qualquer tipo de sofrimento. Não me senti um segundo sequer só. Várias lições pude tirar desta experiência marcante, que me acompanharão para o resto de minha vida. São elas: ● Nada no mundo vale mais que uma verdadeira amizade, nada; ● A solidariedade vem de onde menos se espera; ● Devemos lutar incansavelmente pelos nossos sonhos e pelos nossos ideais; ● A fome dói, passa, e te digere lentamente; ● Todos, independentemente da condição social, merecem ser tratados com carinho, respeito e consideração; ● A força que os outros acham que você tem, não existiria sem os elementos anteriormente mencionados, logo, todos somos capazes; ● O povo merece ser tratado com mais respeito pelo governo. Gostaria que todas as pessoas que tiveram contado comigo nestes últimos dias, pudessem ler este relato (pessoas comuns e representantes políticos). Assim fazendo, talvez pudessem compreender melhor o meu posicionamento e a minha postura. Quando não cedi às dificuldades, às pressões ou às propostas a mim oferecidas, não o fiz por radicalismo ou por soberba. Assim agi, porque algo muito mais importante do que o "vil metal" estava em jogo: a minha dignidade estava sendo colocada à prova. Obrigado à todos por terem feito parte do mais importante capítulo de minha vida. Roberto Corrêa Ribeiro de Oliveira - médico"

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