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Uma vítima de suicídio a cada 33 minutos: que tipo de dor leva alguém a tirar a própria vida?

Uma vítima de suicídio a cada 33 minutos apresenta um país que pede socorro em silêncio.

Por Marcilene Lucena - Presidente da FEIPOL-CON
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06/09/2024 10h26 - Atualizado há 2 horas

Marcilene Lucena | Artigo

Já li muitos estudos sérios sobre suicídio, especialmente por conta de minha função como representante de classe e o fato aterrorizante de que a alta na taxa de suicídios entre policiais é oito vezes maior que da população brasileira em geral. Por si só esse dado já é muito grave, mas pior fica quando fazemos uma leitura mais aprofundada dos números deste mal em nossa nação. 

Em 2023, cerca de 16.025 pessoas tiraram a própria vida no Brasil. Isso significa que a cada 33 minutos um brasileiro comete suicídio. A cada 33 minutos famílias são destroçadas pela trágica perda de alguém que por não mais suportar sua dor, preferiu cessar a dor tirando a própria vida. Neste mesmo ano, perdemos mais policiais para o suicídio do que para confrontos armados em serviço. 

Poderia citar aqui uma série de fatores avalizados, inclusive, pela Organização Mundial de Saúde – OMS que tornam os policiais um grupo mais vulnerável, mas quero abordar o tema de forma mais holística e trazer a reflexão de uma maneira mais ampla e humana, para um problema que é de todos nós. 

O slogan da campanha Setembro Amarelo é: “Se precisar, peça ajuda.” Mas você conhece a origem desta história? 

Em 10 de setembro de 1994, um jovem estadunidense chamado Mike Emme cometeu suicídio, com apenas 17 anos. Mike era conhecido por sua personalidade carinhosa e habilidade mecânica, tendo como sua marca um Mustang 68 que ele mesmo restaurou e pintou de amarelo.

Nada demonstrava que um jovem cheio de vida e talentos tiraria a própria vida e, infelizmente, nem a família nem os amigos de Mike perceberam os sinais de que ele pretendia tirar a própria vida. No funeral, os amigos montaram uma cesta de cartões e fitas amarelas com a mensagem: “Se precisar, peça ajuda”. A ação ganhou grandes proporções e expandiu-se pelo Estados Unidos e anos depois a Organização Mundial de Saúde instituiu a data de 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio e a cor do Mustang de Mike, escolhida para representar a campanha. 

“Se precisar, peça ajuda.” Essa frase tão poderosa e salvadora ecoa como um brado de socorro aos que precisam e uma mão estendida por aqueles que se importam. 

Vou por um parágrafo aqui, mesmo que pudesse continuar no anterior, mas quis preservar a essência da ideia inicial, pois assim seria em um mundo perfeito, mas não é bem assim... (pois bem, lá vai): (...) No entanto, por ser o suicídio um fenômeno complexo e multifatorial, não é tão fácil, assim, pedir ajuda.” 

(pronto, falei, mas longe de terminar, então, peço um pouco mais de sua atenção para um tema tão importante)

Basicamente, o que faz do suicídio um fenômeno complexo e multifatorial é o fato de que na decisão de tirar a própria vida está a interação de fatores individuais, sociais e culturais. 

Na complexa missão de isolar apenas os fatores individuais, é consenso e quase óbvio que o suicídio tem nas raízes de suas causas, transtornos emocionais e psicológicos decorrentes de uma infinidade de possibilidades, desde questões biológicas, eventos traumáticos etc.  

Você conhece alguém que esteja sofrendo com ansiedade ou depressão? Ora, que pergunta boba, é claro que você conhece, talvez seja você mesmo. Vivemos no país mais ansioso do mundo, no mais depressivo de toda a América Latina e, não coincidentemente, o 8º em números de suicídios, segundo a Organização Mundial da Saúde. 

Dados recentes da mesma OMS apontam que 26,8% dos brasileiros receberam diagnóstico médico de ansiedade. Além disso, no mesmo estudo, 12,7% das pessoas entrevistadas relataram terem recebido diagnóstico médico de depressão. Ambos os diagnósticos explicam, em parte, a tragédia da média diária de 44 suicídios no Brasil, mesmo porque, os números podem ser ainda piores, pois, observem, estes dados se referem às pessoas diagnosticadas. E as que nunca foram ao médico? 

Uma outra pesquisa, que utilizou uma ferramenta virtual e que consultou mais de 24 mil pessoas, constatou, baseando-se nas informações respondidas pelas pessoas consultadas, que mesmo sem diagnóstico médico, 62,6% das pessoas no Brasil sentem alto nível de ansiedade.    

Não tenho formação na área. Sou apenas uma “curiosa” sobre o tema que, por missão sindical, passei a me informar melhor sobre a questão e para mim está claro que estes “males do século” são diretamente responsáveis por uma quantidade absurda de homens e mulheres que tiram a própria vida. Mais ainda, ao constatar isto é que alicerço minha afirmação de que: “Não é tão fácil, assim, pedir ajuda.

Da mesma forma que no início citei que já li muitos estudos sérios sobre o suicídio, também já li e ouvi muita bobagem de pessoas que arrogam conhecimento que não possuem e passam a dar diagnósticos rasos e eivados de crenças vazias que deduzem que uma pessoa com tendência suicida precisa apenas de conselhos, ir para igreja, amar a Deus ou ter um coach. Não estou dizendo que essas coisas citadas não sejam importantes, apenas que não é tão simples para diagnósticos tão simplórios e tratamentos tão fáceis. 

Além disso, tais “opiniões” tão superficiais nada mais fazem que minimizar a dor do outro e, talvez, em um primeiro momento, esta pessoa apenas deseje ardentemente ser ouvida. Falo isso sobre o suicídio, mas de forma ainda mais comum se repete quando o assunto é depressão e ansiedade. Vi muitas vezes, dentro do meio policial, profissionais com desafios psicológicos e emocionais latentes, mas intimidados pelo preconceito e o julgamento de seus superiores e colegas. É assustador conceber que alguém pode estar sofrendo em silêncio por conta de “apontar de dedos”. 

É muito difícil compreender que conheci pessoas que tiraram a própria vida e saber que estas pessoas, de alguma forma, apresentavam características de alguém com comportamento suicida. Mais desafiador ainda, é saber que mesmo que alguém reconheça tais comportamentos, muitas vezes não saberá o que fazer ou como lidar. Falaremos mais sobre isso durante este mês, mas, por hora, quero apenas conquistar sua sensibilidade, alertando-o que perto de você pode ter alguém com estes comportamentos e que este alguém não precisa de seu julgamento, mas tão somente de sua ajuda. 

Pense e analise comigo... Para cada suicídio consumado houveram, pelo menos, 20 outros suicídios tentados e, mesmo que eu não tenha encontrado dados sobre a questão, não tenho dúvida que para cada uma destas tentativas existe dezenas, centenas ou talvez milhares de pessoas que imersos na dor já pensaram em morrer ou, pior, desejaram, mesmo que não tenham tentado contra si. 

Dor, desespero, solidão, tristeza constante são sentimentos e estágios intangíveis de alguém que pode perder o desejo de viver. Ataques de pânico, tremores, falta de ar, taquicardia, dores no peito, acompanhados de isolamento social, insônia e outros problemas mais perceptíveis podem ser estágios de um comportamento suicida. Mas, não se engane, quanto mais próximo de você, menos parece algo realmente perigoso. A proximidade pode ofuscar sua visão para o mal que pode estar dentro de sua casa, em alguém que você ama. 

A pergunta que não quer calar: Mas se eu não consigo identificar, como posso ajudar? 

Não existem respostas feitas ou fáceis para questões difíceis, especialmente se o problema é dentro de casa ou no seio da família, mas muitos são os mecanismos que podemos aplicar para estar disponível para alguém que está imerso na sua própria dor e sofrimento. 

Durante todo o mês do Setembro Amarelo a FEIPOL-CON somar-se-á com dezenas de entidades e instituições na luta pela conscientização e prevenção do suicídio e, neste momento, apenas rogamos e conclamamos: 

Às vítimas: Se precisar, peça ajuda!

Aos que irão colaborar: Esteja disponível, ouça, se importe, ame.

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