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Arnaldo Filho

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Araguaína

Em carta, Dr. Dantas se despede da Vara de Execuções Penais e desabafa: 'fiz o máximo que pude'

Na carta, o magistrado relata uma visão ainda de preconceito ao sistema.

Por Arnaldo Filho 3.603
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31/03/2020 09h22 - Atualizado há 4 anos
Juiz de Direito Antonio Dantas de Oliveira Junior.

"O tempo passava, e eu percebia a discriminação sofrida pelos reeducandos, e comigo também, já que fui 'taxado de defensor de bandidos', pois sempre cobrei respeito e que fossem assegurados os direitos das pessoas encarceradas. Assim, exerci o meu papel constitucional e o previsto na Lei de Execuções Penais, e, se em algum momento errei, não foi por omissão".

Esse relato está em uma carta escrita pelo juiz Antonio Dantas de Oliveira Junior, nesta segunda-feira (30), ao se despedir de um dos maiores desafios de sua vida, ser o magistrado responsável pela execução da pena de condenados no Presídio Barra da Grota e na Casa de Prisão Provisória de Araguaína (CPPA).  

A carta, endereçada aos reeducandos e agentes do Sistema Prisional, vai muito além de uma simples prestação de contas dos quase 10 anos de trabalho na Vara de Execuções Penais de Araguaína, mas expõe a difícil missão de ressocializar pessoas condenadas no Brasil e o preconceito enraizado no sistema.   

Dr. Dantas, como é conhecido, conta que assumiu essa missão em um momento extremamente delicado, logo após uma das maiores rebeliões já registradas no Presídio Barra da Grota, em 2010.

"No carnaval de 2011 fui acionado para dirimir a primeira situação de risco com um detento que se encontrava em uma cela na UTPBG, com outros reeducandos, com a testa sangrando e jogando fezes na parede. Em razão do ocorrido, na época, um agente contratado perguntou: "O senhor autoriza a nossa entrada para resolver o problema?" Eu respondi, não. Antes de qualquer intervenção com o uso da força deve ser precedida de diálogo", escreve.

DIÁLOGO E RESPEITO

Esse momento serviu para que o juiz mostrasse na prática que o diálogo e o respeito são os principais instrumentos da manutenção de um sistema prisional, sendo "o embate a última da última medida".

NUNCA DEIXEI DE ACREDITAR

Dr. Dantas revela que sempre sonhou com uma nova visão do sistema prisional, pautado no trabalho, salário, estudo, projetos, diálogo e respeito, advindo por parte de agentes e reeducandos.

Para fomentar essa nova visão, o magistrado desenvolveu junto com sua equipe cerca de 20 projetos dentro das unidades prisionais, como a fábrica de blocos de concreto, amarelinhos, ritmos da paz, dentre outros listados na carta.

"Nunca, jamais deixei de acreditar na mudança do perfil de um "criminoso" e o seu retorno sadio ao convívio social, desde que ocorra um investimento humanizado em pessoal, isso porque ninguém nasce bom ou mal, mas, a depender do seu meio, tende a um dos lados", explica.

PRETOS, PARDOS E POBRES

O juiz confirma a crença popular de que a massa carcerária é seletiva, sendo formada por pretos, pardos e pobres.

CONHECER O AMOR

Conforme o juiz, existem várias causas para o cometimento de um crime, mas a principal é a falta de amor.

"Algumas vezes, cheguei a perguntar aos reeducandos ou socializandos se eles conheciam o significado da palavra empatia, isto é, não faça com o outro aquilo que você não quer que seja feito contra ti. E eu continuava: "Vocês amam alguém ou a si próprio?" A maior parte dizia que sim, e não queria que nada de ruim acontecesse com as pessoas amadas, daí surgia um momento reflexivo”, escreve Dr. Dantas.

Com tantas histórias, o juiz ficou ainda mais convicto da possiblidade de ressocialização, mas faltavam pessoas que olhassem o indivíduo que cometeu um crime como um ser humano. "Os presídios não podem ser vistos e administrados como ocorria na idade média, nas masmorras”, diz.  

O juiz também condena a tortura de pessoas que estejam presas, pelo simples fato de serem presos.

E AS VÍTIMAS DOS CRIMES?

“Na minha trilha desses quase 10 anos, sempre ouvia que ninguém olhava para as vítimas, nem para os doentes na fila do Sistema Único de Saúde. Ora, uma coisa não exclui a outra, entretanto o Estado tem o dever de assegurar saúde a todos, inclusive, às vítimas e seus familiares, como também tem o dever de manter a dignidade das pessoas encarceradas, independentemente da sua conduta criminosa”.

APESAR DO CAOS

Na carta, o juiz orienta os presos a não desacreditarem das suas capacidades e da possibilidade de saírem da unidade prisional, apesar do caos, como pessoas dignas, melhores, sempre e sempre, perseguindo o autoamor e o amor ao seu semelhante.

“Fiz o máximo que pude por um sistema prisional melhor, sei que foi pouco, mas tenho a convicção que as sementes ficam e os homens passam, e, lamento por todos aqueles que criaram dificuldades na estruturação e manutenção de alguns projetos no sistema prisional, pois não ofenderam a mim, mas a própria dignidade, e aos anseios da comunidade que é a maior beneficiada, no instante em que cada egresso, recuperado, retorna ao seu meio”, finaliza.

Sua última determinação como juiz da Vara de Execuções Penais foi para que uma cópia da carta seja repassada a cada cela da CPPA e do Presídio Barra da Grota.

Veja aqui a carta na íntegra.

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