Liberato Póvoa //Artigo Depois de enfrentar todos os obstáculos, superar dois vetos presidenciais e enfrentar uma greve de fome, ao lado do outro separatista Totó Cavalcante, o então Deputado José Wilson Siqueira Campos, trabalhando incessantemente junto às diversas Comissões do Congresso, aos diversos líderes partidários e praticamente não dormir durante as votações da Assembleia Nacional Constituinte (tendo sido o único deputado com 100% de frequência às sessões), cuidou-se de realizar as primeiras eleições, escolheram, com 62,49% dos votos, Siqueira Campos o primeiro Governador, pelo seu decantado trabalho e sua incessante luta no Congresso pela criação do Tocantins, cujas bases já vinham desde os primórdios de Felipe Antônio, Feliciano Machado Braga e outros que plantaram a semente e propiciaram a Siqueira Campos continuar a luta, já em termos de Congresso. Naquelas eleições gerais, além do Governador Siqueira Campos e seu vice, Darci Martins Coelho, foram também eleitos os três senadores, os oito deputados Federais, os vinte e quatro deputados estaduais e os sessenta e dois prefeitos e vereadores dos municípios então existentes. Criado o Estado, estava tudo por fazer. Sua instalação dar-se-ia no dia 1º de janeiro de 1989, com a posse do governador, do vice-governador, dos três senadores, dos oito deputados federais e vinte e quatro deputados estaduais, que teriam apenas dois anos de mandato, à exceção dos dois senadores mais votados, que teriam quatro, coincidindo com o término do mandato dos Senadores eleitos em 1986. Aí houve um movimento sub-reptício, de forma a esvaziar a eleição de Antônio Luiz Maya, para que ele fosse o terceiro colocado. Mas para instalar o Estado, era necessário que se escolhesse uma cidade para servir provisoriamente como Capital do Estado, o que era uma atribuição constitucional do Governador eleito, até que a Assembleia Legislativa aprovasse a sede definitiva. Os dias que antecederam a escolha foram muito tumultuados, pois políticos das três cidades mais importantes do Estado (Araguaína, Gurupi e Porto Nacional) reivindicavam o direito de ter sua cidade como Capital Provisória. Para tanto, proporcionaram espetáculos deprimentes, até mesmo atos de vandalismo, arregimentando o povo, numa verdadeira guerra para angariar a preferência. Os habitantes da margem direita do Tocantins, tradicionalmente desassistidos, não viam, com razão, com bons olhos a escolha de uma capital provisória distante, pois permaneceriam no mesmo abandono, submetidos aos caprichos dos políticos, como nos tempos dos Capitães-Generais. A margem direita, onde se situa o Sudeste, apesar de berço dos movimentos separatistas, não recebia os benefícios na contrapartida dos impostos arrecadados, não se justificando a escolha da capital provisória naquela região, tradicionalmente atrasada, onde ficava o “Corredor da Miséria”. Era natural que o Governador eleito estivesse submetido a pressões de toda ordem pelos políticos que o haviam apoiado nas maiores cidades, os quais reivindicariam o “direito” de sediar na sua cidade a Capital Provisória. Mas acima dos interesses políticos, Siqueira Campos tinha consigo mesmo o compromisso de escolher a capital que melhor consultasse os interesses tocantinenses e que trouxesse maiores benefícios ao povo, ignorando os movimentos deflagrados em Araguaína, Gurupi e Porto Nacional, com carreatas, obstrução de estradas e atos de vandalismo. A escolha de uma dessas cidades, além de colocar os líderes políticos em confronto com o Governador, iria trazer um efêmero progresso, além de “inchar” a capital provisória com obras para abrigar o Governo, elas se transformariam em autênticos elefantes brancos sem serventia que justificasse os gastos. Assim, para não reeditar a época dos Capitães-Generais de São Paulo, e depois de Goiás, que mandaram por mais de um século e meio, Siqueira Campos, numa atitude muito equilibrada, optou por escolher como capital provisória a cidade de Miracema do Norte, que não disputava a preferência e foi tomada de surpresa com a escolha. E lá não fez construções, mas adaptou as já existentes: o Tribunal de Justiça abrigou-se no antigo fórum, o “Palácio Araguaia” foi instalado em um colégio nas cercanias do balneário “Correntinho”, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas, o TRE, as residências oficiais e outras construções imprescindíveis foram pré-fabricadas de madeira, que seriam depois desmontadas para futuro reaproveitamento em Palmas. E no dia 1º de janeiro de 1989, em solenidade realizada na quadra de esportes do “Colégio Tocantins”, em Miracema do Norte, presidida pelo Presidente do TRE de Goiás, Desembargador Joaquim Henrique de Sá, e com a presença do Governador de Brasília, Joaquim Roriz (representando o Presidente da República), além de inúmeros convidados, foi instalado o Estado do Tocantins, e empossados o governador, seu vice, os senadores e os deputados federais e estaduais. E passando o ano de 1989 governando de Miracema do Norte, rebatizada na instalação de Miracema do Tocantins, Siqueira Campos teve outro rasgo de coragem, ao escolher o local para começar do zero a nova capital, com o objetivo de semear o progresso na margem direita do Tocantins, exatamente o berço dos movimentos libertários e que era uma terra de ninguém, lembrada apenas nos anos de eleição e no qual havia asfalto apenas num pequeno trecho entre Arraias e Campos Belos, enquanto a margem oposta já estava servida pelo asfalto da Belém-Brasília. Por uma razão lógica, o Governador escolheu uma área localizada na margem direita do rio Tocantins, no centro geográfico do Estado: como a intenção era construir uma cidade moderna e funcional; não se justificava adaptar uma das cidades existentes como Capital; ademais, a construção de uma nova cidade, embora contando com os parcos recursos do próprio Estado, impunha serenidade e visão de futuro na escolha do local. Assim, foi escolhido o lugar à margem direita do Tocantins, no povoado de Canelas, que, forçosamente, transformar-se-ia em um polo de desenvolvimento de toda a margem direita, secularmente abandonada. A decisão de construir no centro geográfico do Estado uma nova cidade, planejada, moderna, para sede do Governo estadual, foi pensada e repensada, após profundas análises por parte do Governador, dos integrantes da Assembleia Legislativa e do primeiro escalão, sem deixar de ouvir técnicos nacionais e estrangeiros, que já haviam projetado cidades semelhantes. Por 23 votos e uma abstenção, o local foi aprovado pela Assembleia Legislativa, com uma área de 1.024 km2, desmembrados do município de Porto Nacional, a 82 quilômetros de Miracema do Tocantins e 62 de Porto Nacional. E, escolhido o local, Palmas começou a ser erigida. Se não se pode atribuir a Siqueira a exclusividade da criação do Tocantins, não se lhe pode subtrair o justo título de criador de Palmas.
Liberato Póvoa é escritor e desembargador aposentado do TJTO.