STF pode descriminalizar porte de drogas para consumo

Por Redação AF
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10/08/2015 09h28 - Atualizado há 5 anos
<span style="font-size:14px;"><u>Isabela Vieira e Vitor Abdala</u><br /> <em>Ag&ecirc;ncia Brasil</em></span><br /> <br /> <span style="font-size:14px;">O Brasil pode se igualar aos demais pa&iacute;ses da Am&eacute;rica do Sul que descriminalizaram o porte de drogas hoje il&iacute;citas e passar a ser tolerante com o consumo e com o cultivo para uso pr&oacute;prio. A medida depende do&nbsp;<a href="http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-08/stf-deve-julgar-neste-semestre-descriminalizacao-do-porte-de-drogas" target="_blank">Supremo Tribunal Federal (STF) que deve julgar, neste m&ecirc;s</a>, a&ccedil;&atilde;o questionando a inconstitucionalidade da proibi&ccedil;&atilde;o. A Defensoria P&uacute;blica do Estado de S&atilde;o Paulo recorreu &agrave; Corte, alegando que o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, n&atilde;o pode ser considerado crime, por n&atilde;o prejudicar terceiros. O relator &eacute; o ministro Gilmar Mendes, que finalizou o voto e deve colocar o tema em vota&ccedil;&atilde;o ainda este m&ecirc;s.<br /> <br /> Para especialistas em seguran&ccedil;a p&uacute;blica, direitos humanos e drogas, o STF tem a chance de colocar o Brasil no mesmo patamar de outros pa&iacute;ses da regi&atilde;o e dar um passo importante para viabilizar o acesso de dependentes qu&iacute;micos ao tratamento de sa&uacute;de, al&eacute;m de p&ocirc;r fim &agrave; estigmatiza&ccedil;&atilde;o do usu&aacute;rio como criminoso.<br /> <br /> &ldquo;<em>A lei de drogas manteve a posse de drogas como crime, mas n&atilde;o estabeleceu a pena de pris&atilde;o &ndash; o que foi um avan&ccedil;o. O entendimento que se tem &eacute; que isso [a proibi&ccedil;&atilde;o] &eacute; inconstitucional, diante dos princ&iacute;pios da liberdade, da privacidade, no sentido que uma pessoa n&atilde;o pode ser constrangida pelo Estado, sob pena de san&ccedil;&atilde;o, por uma a&ccedil;&atilde;o que, caso fa&ccedil;a mal, s&oacute; faz mal a ela&rdquo;</em>, explicou a coordenadora do Grupo de Pesquisas em Pol&iacute;tica de Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux.<br /> <br /> O diretor para a Am&eacute;rica Latina da Open Society Foundation, organiza&ccedil;&atilde;o n&atilde;o governamental que defende direitos humanos e governan&ccedil;a democr&aacute;tica, Pedro Abramovay, diz que em nenhum pa&iacute;s onde o porte de drogas foi flexibilizado houve aumento do consumo.<br /> <br /> <em>&ldquo;O Brasil est&aacute; atrasado e se descriminalizar vai se igualar a dezenas de pa&iacute;ses que j&aacute; passaram por esse processo. Todos os pa&iacute;ses que descriminalizaram o consumo, que falaram que ter o porte para o consumo pessoal n&atilde;o &eacute; mais crime, n&atilde;o viram o consumo crescer. Ent&atilde;o, esse medo que as pessoas t&ecirc;m, de haver aumento, &eacute; infundado com os dados da realidade&rdquo;</em>, destaca.<br /> <br /> Ele acredita que a medida pode fazer com que dependentes tenham acesso facilitado &agrave; sa&uacute;de. &ldquo;<em>Hoje, um m&eacute;dico que trata uma pessoa que usa&nbsp;crack, lida com um criminoso, tem a pol&iacute;cia no meio, o que torna a abordagem mais e mais dif&iacute;cil</em>&rdquo;, destacou Abramovay, que j&aacute; foi secret&aacute;rio nacional de Justi&ccedil;a.<br /> &nbsp;<br /> <strong><u>Traficante x usu&aacute;rio</u></strong><br /> <br /> Com a decis&atilde;o do STF, tamb&eacute;m pode sair das m&atilde;os da pol&iacute;cia e do pr&oacute;prio Judici&aacute;rio a diferencia&ccedil;&atilde;o entre quem &eacute; traficante e quem &eacute; usu&aacute;rio, que tem levantado cr&iacute;ticas de discrimina&ccedil;&atilde;o e viola&ccedil;&atilde;o de direitos humanos nas pris&otilde;es. A lei atual, de 2006, n&atilde;o define, por exemplo, quantidades espec&iacute;ficas de porte em cada caso, como em outros pa&iacute;ses, e deixa para o juiz decidir, com base no flagrante e em &ldquo;circunst&acirc;ncias sociais e pessoais&rdquo;. &ldquo;Em outras palavras: quem &eacute; pobre &eacute; traficante, quem &eacute; rico &eacute; usu&aacute;rio&rdquo;, critica Abramovay.<br /> <br /> Segundo ele, o STF deve recomendar, na senten&ccedil;a, que sejam estabelecidos crit&eacute;rios para a caracteriza&ccedil;&atilde;o de usu&aacute;rios, por &oacute;rg&atilde;os t&eacute;cnicos como a Ag&ecirc;ncia Nacional de Vigil&acirc;ncia Sanit&aacute;ria (Anvisa). &ldquo;O Supremo pode dizer que, para garantir que a Constitui&ccedil;&atilde;o seja respeitada, sem discrimina&ccedil;&atilde;o, s&atilde;o necess&aacute;rios crit&eacute;rios. Esse n&atilde;o &eacute; um tema menor, a falta de indefini&ccedil;&atilde;o leva ao encarceramento. Estamos falando de um a cada tr&ecirc;s presos no pa&iacute;s&rdquo;, destacou Abramovay.<br /> <br /> Em evento no Rio de Janeiro, na semana passada, o ministro da Justi&ccedil;a, Jos&eacute; Eduardo Cardozo, reconheceu que as &ldquo;lacunas legais&rdquo; para diferenciar traficantes e usu&aacute;rio alimenta o ciclo de viol&ecirc;ncia e superlota o sistema prisional. Segundo ele, o tr&aacute;fico &eacute; o segundo tipo de crime que mais coloca pessoas atr&aacute;s das grades, depois de crimes contra o patrim&ocirc;nio. No caso de mulheres, o tr&aacute;fico aparece em primeiro lugar na lista.<br /> <br /> &ldquo;Sabemos que temos uma cultura, que n&atilde;o me parece adequada, de querer for&ccedil;ar a barra de tudo quanto &eacute; traficante para poder criminalizar. Temos muita gente que &eacute; usu&aacute;ria &ndash; que deveria receber tratamento de sa&uacute;de &ndash; entrando nas unidades prisionais em contato com organiza&ccedil;&otilde;es criminosas: ou seja, entra usu&aacute;rio e sai membro do tr&aacute;fico&rdquo;, lamentou o ministro.<br /> <br /> A professora da UFRJ Luciana Boiteux aposta na regula&ccedil;&atilde;o &ndash; da produ&ccedil;&atilde;o &agrave; venda das subst&acirc;ncias &ndash; como solu&ccedil;&atilde;o para enfrentar a viol&ecirc;ncia e os homic&iacute;dios no pa&iacute;s relacionados ao combate ao tr&aacute;fico.<br /> <br /> <strong><u>Outro lado</u></strong><br /> <br /> Contr&aacute;rio &agrave; descriminaliza&ccedil;&atilde;o do porte de drogas para consumo pr&oacute;prio, o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) acredita que a medida &eacute; o primeiro passo para a legaliza&ccedil;&atilde;o das drogas o que, de acordo com ele, seria ruim para a sociedade.<br /> <br /> <em>&ldquo;Se descriminalizar o uso, acabou, legalizou a droga. Se n&atilde;o for crime usar [a droga], as pessoas v&atilde;o andar com droga &agrave; vontade. V&atilde;o levar para o col&eacute;gio, para a pra&ccedil;a, distribuir para os amigos. E como &eacute; que pode n&atilde;o ser crime comprar, mas ser crime vender? Como se resolve esse paradoxo? Isso vai acabar legalizando a venda. Os traficantes v&atilde;o [fingir] ser todos usu&aacute;rios. Isso vai aumentar a circula&ccedil;&atilde;o da droga. Liberar a droga s&oacute; agrava o problema, n&atilde;o melhora&rdquo;</em>, disse Terra que preside a&nbsp; Subcomiss&atilde;o de Pol&iacute;ticas P&uacute;blicas sobre Drogas da C&acirc;mara dos Deputados.<br /> <br /> Ele discorda da tese de que o uso de drogas &eacute; uma liberdade do indiv&iacute;duo, que s&oacute; afeta a ele. &ldquo;<em>A depend&ecirc;ncia qu&iacute;mica &eacute; uma doen&ccedil;a incur&aacute;vel. A pessoa vai levar aquilo para o resto da vida. Isso pode reduzir sua capacidade laborativa e de cuidar da fam&iacute;lia. Muitas vezes, [o usu&aacute;rio] sobrecarrega a fam&iacute;lia, porque a maioria &eacute; desempregada e n&atilde;o consegue cuidar da fam&iacute;lia. Ele sobrecarrega seus pais, irm&atilde;os, que t&ecirc;m que cuidar dele, tem que arrumar dinheiro para manter, tem que trabalhar mais. A liberdade de ele usar droga &eacute; a escravid&atilde;o da fam&iacute;lia&rdquo;</em>, afirma.<br /> <br /> O deputado relaciona ainda o uso de drogas, l&iacute;citas e il&iacute;citas, ao aumento da viol&ecirc;ncia no pa&iacute;s. <em>&ldquo;Nossa epidemia da viol&ecirc;ncia &eacute; filha da epidemia das drogas. O Brasil &eacute; o pa&iacute;s em que mais se mata gente no mundo. Mata mais em homic&iacute;dios, em acidentes de tr&acirc;nsito. Se liberar, vai aumentar tudo isso. Qual &eacute; a maior causa de viol&ecirc;ncia dom&eacute;stica? &Eacute; o &aacute;lcool, porque &eacute; uma droga l&iacute;cita. N&atilde;o &eacute; crime comprar &aacute;lcool. A viol&ecirc;ncia dom&eacute;stica vai aumentar muito em fun&ccedil;&atilde;o da circula&ccedil;&atilde;o das drogas il&iacute;citas&rdquo;</em>, diz.<br /> <br /> A opini&atilde;o &eacute; compartilhada pelo empres&aacute;rio Luiz Fernando Oderich, que fundou a organiza&ccedil;&atilde;o n&atilde;o governamental Brasil Sem Grades, que pede mais seguran&ccedil;a e defende leis mais duras para combater a viol&ecirc;ncia. Max, filho de Oderich, foi assassinado h&aacute; 13 anos durante uma tentativa de assalto.<br /> <br /> Segundo ele, o usu&aacute;rio n&atilde;o deve ser tratado como criminoso. Entretanto, muitas vezes, ele se envolve em outros crimes por causa do uso de drogas.<em> &ldquo;Existe uma rela&ccedil;&atilde;o entre um comportamento n&atilde;o social e o consumo de drogas. Alguns, de uma maneira menor, e outros, de uma maneira maior. &Eacute; uma coisa que n&atilde;o faz bem&rdquo;,</em> disse o empres&aacute;rio.<br /> <br /> O psiquiatra Osvaldo Saide, da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), diz que o ideal &eacute; n&atilde;o tratar o usu&aacute;rio como criminoso, mas encaminh&aacute;-lo para tratamento. No entanto, segundo ele, &eacute; preciso que a legisla&ccedil;&atilde;o deixe claro o que fazer em casos de pessoas que cometam crimes sob efeito de drogas e em casos de venda de drogas pelos usu&aacute;rios para sustentar seu pr&oacute;prio v&iacute;cio.<br /> <br /> Para Saide, seria necess&aacute;rio criar alternativas ao usu&aacute;rio como receber a pena pelo outro crime cometido ou se submeter a tratamento compuls&oacute;rio. &ldquo;<em>A Justi&ccedil;a pode pressionar a pessoa para o tratamento em uma situa&ccedil;&atilde;o em que ela n&atilde;o tem a no&ccedil;&atilde;o da gravidade do seu problema, at&eacute; porque a depend&ecirc;ncia qu&iacute;mica leva a uma falta de no&ccedil;&atilde;o da gravidade do pr&oacute;prio problema. &Agrave;s vezes, uma pessoa com profiss&atilde;o fica imersa, por exemplo, no crack&rdquo;</em>, disse.<br /> <br /> A presidenta da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Estudos de &Aacute;lcool e outras Drogas (Abead), a psiquiatra Ana Cec&iacute;lia Marques, acredita que a descriminaliza&ccedil;&atilde;o do uso precisa ser discutida pela sociedade, mas discorda que isso seja feito por um julgamento do STF.<br /> <br /> <em>&ldquo;&Eacute; preciso que haja uma lei que defina claramente os casos espec&iacute;ficos, como se ele &eacute; um usu&aacute;rio eventual, se tem uma depend&ecirc;ncia. Sou a favor de descriminalizar, mas acho que precisa ter todo esse rigor, que n&atilde;o &eacute; algo que existe nas nossas leis de drogas. Elas n&atilde;o s&atilde;o claras, deixam v&aacute;rias lacunas. E no pa&iacute;s faltam pol&iacute;ticas para as drogas. Sou a favor, mas temo por esse processo de descriminaliza&ccedil;&atilde;o</em>&rdquo;, disse.</span>
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