Liberato Póvoa //Artigo Os entendidos e apolíticos, inclusive o hoje desembargador aposentado Daniel de Oliveira Negry, dizem que, na primeira composição do Tribunal de Justiça do Tocantins nos dez primeiros anos da criação do Estado, nossa Corte de Justiça já nasceu com defeito. Foram nomeados no período Osmar José da Silva, Carlos Luiz de Souza, José Maria das Neves, Antônio Félix Gonçalves, João Alves da Costa, Amado Cilton Rosa, José de Moura Filho e eu. E têm ampla razão, merecendo inteiro abono, pois, se olharmos sem paixão, podemos afirmar, com segurança, que só foram nomeados corretamente e sem risco de qualquer contestação, os desembargadores Carlos Luiz de Souza, José Maria das Neves, Antônio Félix Gonçalves e João Alves da Costa; os demais (Osmar José da Silva, Amado Cilton Rosa, José de Moura Filho e eu) podiam sofrer qualquer forma de contestação, pois alguma crítica (legal ou ética) poderia ser feita. Com efeito, a Constituição Federal, no art. 235, incisos IV e V, estabelecia que os sete primeiros desembargadores seriam nomeados pelo governador do Estado, sendo que cinco seriam magistrados e dois representantes do quinto constitucional, ou seja, um representante da OAB e outro do Ministério Público, ambos com, no mínimo, dez anos de exercício profissional. Os magistrados deveriam ter mais de 35 anos de idade e com exercício do cargo na área do novo Estado ou do Estado originário. Em suma, qualquer juiz de Direito ou desembargador de Goiás poderia ser nomeado para compor a nossa Corte de Justiça, desde que satisfizesse o requisito etário (mínimo de 35 anos), pois a Constituição só exigia como requisito o tempo de serviço para os integrantes do quinto constitucional, não cogitando disso no caso de juiz de carreira, tanto quer fui nomeado juiz em 1988 e desembargador em 1989 (menos de um ano de magistratura). Aí começaram os equívocos, praticados - a nosso ver – conscientemente. O primeiro desembargador nomeado foi o juiz federal Osmar José da Silva, que não era juiz de Goiás, mas juiz federal (podendo exercer sua função em qualquer Estado da Federação e, portanto, não se enquadrava como juiz do Estado originário). O espírito da lei era de que fossem aproveitados juízes estaduais. Ainda assim, foi nomeado sem questionamento. Havia em Goiás juízes e desembargadores que até desejavam compor o nosso Judiciário, como os desembargadores Pedro Soares Correia e Júlio Resplande de Araújo, e o juiz Renan de Arimatéia Pereira, todos com extensa e louvável folha de serviços prestados, e com a vantagem de serem tocantinenses. Seriam uma excelente aquisição, para começarem um Judiciário sem mácula. Mas os três, magistrados de respeito, foram preteridos, talvez porque tivessem experiência, personalidade e vontade própria e não iriam submeter-se com facilidade aos caprichos políticos do governador. No caso específico de Júlio Resplande, Siqueira Campos tinha uma “diferençazinha” pessoal: quando aquele era juiz no Bico do Papagaio, e Siqueira político na região. E o Estado perdeu excelentes desembargadores para começar o Tribunal. Júlio Resplande foi preterido porque teria decidido um processo que atingira diretamente os interesses políticos do futuro governador, e Renan, porque era filho de 'seu' Pereira, pessoa de alta linhagem política e respeitado líder de Tocantinópolis, mas adversário político de Siqueira. E o velho caudilho sempre seguiu a filosofia de que “quem bate esquece, mas quem apanha, não”. O segundo equívoco foi exatamente o meu caso, pois, não obstante fosse juiz de Direito na área do novo Estado e ter mais de trinta e cinco anos, eu não possuía nem um ano de exercício (fora nomeado juiz em janeiro de 1988). Embora a Constituição só exigisse o limite mínimo de idade, parecia temerário nomear-se desembargador alguém sem a tarimba da judicatura ainda no meio do estágio. Quando juiz de direito em Taguatinga, na época da campanha de 1988, recebi a visita do então candidato Siqueira Campos, acompanhado de Antônio Luiz Maya e Carlos Patrocínio, então postulantes ao Senado, e ele disse que ia contar comigo na organização do novo Estado. Sua eleição já estava como certa, face ao verdadeiro endeusamento de seu nome e a bandeira da criação do Tocantins, que vinha sendo acalentada desde sua investidura no cargo de vereador em Colinas, na década de sessenta. Eu ofereci meus préstimos, como era natural, mas nem de longe sonhava que viria a ser um dos componentes do Tribunal, face ao meu pouco tempo de serviço e a minha total falta de relacionamento ou intimidade com ele, que conheci pessoalmente naquele dia. Nomeados os cinco primeiros desembargadores (Osmar, eu, José Maria, Carlos Souza e Antônio Félix), restavam um para representar o MP e mais um da magistratura de carreira. Ficou a vaga por uns dias, pois, nas negociações para o preenchimento da vaga de magistrado, e já estando acertado o nome de Amado, João Alves pediu a Siqueira para aguardar um pouco e não nomear Amado antes dele, por questões de antiguidade, o que iria ser importante mais adiante. Escolhido no dia 06 de março de 1989, o desembargador Amado Cilton, de acordo com a Constituição, deveria possuir pelo menos dez anos de exercício, de acordo com o art. 235, V, alínea “b”, da Constituição Federal, e ele tinha menos de cinco anos, pois fora nomeado promotor de Justiça em 08/05/1984, promovido a procurador de Justiça em 30 de janeiro de 1989 e nomeado desembargador pelo Decreto 353/89 de 1º março de 1989. E não obstante ter sido nomeado com 37 anos de idade (o mais jovem desembargador no Brasil), foi, a meu ver, o mais brilhante de todos nós da primeira composição do Tribunal. Essas concessões de Siqueira tinham logicamente o objetivo de manobrar o Tribunal, injetando em algumas nomeações o soro de um favorecimento de que nem os próprios favorecidos se tinham dado conta. Com inteira razão o desembargador Daniel: nosso Tribunal começou errado.
Liberato Póvoa -
é desembargador aposentado do TJ-TO.