<span style="font-size:14px;"><u>Raylinn Barros da Silva</u><br /> <br /> Há 20 anos, em 1º de julho de 1994, o Brasil amanhecia sob a vigência de uma nova moeda: o Real. O plano econômico lançado na presidência do mineiro Itamar Franco se materializou em uma nova esperança da sociedade brasileira já flagelada há décadas pelo “monstro” da inflação que destruía o poder de compra dos brasileiros e colocava de joelhos a economia nacional.<br /> <br /> É justo lembrar que Itamar Franco havia recebido a presidência do país após o impeachment de Fernando Collor de Melo e junto com o clima de instabilidade política um enorme desafio que era tentar “arrumar” a casa do ponto de vista econômico. Como observou na época o presidente Itamar Franco durante o discurso de lançamento da nova moeda disse ele: “Com a chegada do real, neste 1° de julho, o Brasil tem a oportunidade de mudar de forma definitiva o curso da sua História”. Estava certo o mineiro, o Real se transformaria no plano econômico de maior sucesso na história do país.<br /> <br /> Mas vale também lembrar que o problema inflacionário era muito anterior à presidência de Itamar. Na história recente do país, desde 1942, foram feitas muitas reformas das quais nasceram seis novas moedas, sendo elas: Cruzeiro Novo (1967), Cruzeiro (1970), Cruzado (1986), Cruzado Novo (1989), Cruzeiro (1990) e Cruzeiro Real (1993).<br /> <br /> Como frizou um atento observador da cena econômica brasileira o jornalista Joelmir Beting na época do lançamento da nova moeda: “Aqui jaz a moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento. Sim, inflação de 16 dígitos, em três décadas. Ou precisamente, um IGP-DI de 1.142.332.741.811.850%. Dá para decorar? Perdemos a noção disso porque realizamos quatro reformas monetárias no período e em cada uma delas deletamos três dígitos da moeda nacional. Um descarte de 12 dígitos no período. Caso único no mundo, desde a hiperinflação alemã dos anos 1920.<br /> <br /> Com a instituição da Unidade Real de Valor (URV), o governo estabeleceu regras de conversão e uso de valores monetários, iniciou a desindexação da economia, e determinou o lançamento de uma nova moeda, o Real. O programa foi a mais ampla medida econômica já realizada no Brasil e tinha como objetivo principal o controle da hiperinflação que assolava o país. Utilizou-se de diversos instrumentos econômicos e políticos para a redução da inflação que chegou a 46,58% ao mês em junho de 1994, época do lançamento da nova moeda.<br /> <br /> Fernando Henrique Cardoso era ministro das relações exteriores e convidado pelo presidente Itamar para assumir o comando da economia aceitou o desafio de conduzir o país à estabilidade econômica. Fernando Henrique reuniu uma equipe formada por nomes como Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha, grupo de economistas todos ligados ao departamento de economia da PUC - Rio e articulou com esses o lançamento da nova moeda. Assim, o Plano Real mostrou-se nos meses e anos seguintes e até a atualidade, o plano de estabilização econômica mais eficaz da história do país, reduzindo a inflação (objetivo principal), ampliando o poder de compra da população, e remodelando os setores econômicos nacionais.<br /> <br /> Como esclareceu recentemente em entrevista Fernando Henrique Cardoso disse: “Não fazê-lo (o plano) ou é incapacidade ou, o que é pior, imoralidade pela conivência com a exploração do povo e a injustiça social”. Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo político, reconhecido no cenário nacional e internacional, mas sempre com a cabeça nos problemas internos do país. Não era surpresa que ele se cercasse de uma equipe de economistas experientes e preparados para articular aquele que viria a ser o plano que devolveria estabilidade econômica ao Brasil.<br /> <br /> Mas a grande “jogada” da elaboração da nova moeda era a URV, uma espécie de moeda provisória que serviria de mecanismo de transição para o Real. Assim, a partir de 28 de fevereiro de 1994, como efeito da Medida Provisória nº 434, iniciou-se a publicação dos valores diários da Unidade Real de Valor (URV) pelo Banco Central. A URV serviria como moeda escritural para todas as transações econômicas, com conversão obrigatória de valores, promovendo uma desindexação geral da economia.<br /> <br /> Como destacou um dos idealizadores do plano econômico Pedro Malan: “A estabilidade monetária é o fator condicionante. A prosperidade econômica é o fator condicionado”. Estava certo Malan, a noção de que a prosperidade econômica só seria alcançada após a estabilidade monetária foi condição articulada pelo grupo de economistas chefiados por FHC e que deram corpo e materialidade no que viria a ser o Plano Real.<br /> <br /> Para o sucesso do Plano Real, foi articulada uma série de reformas econômicas paralelas de modo a permitir o sucesso do plano. Assim, a partir de 1º de março de 1994, passou a vigorar a Emenda Constitucional número 10, que criou o Fundo Social de Emergência (FSE) considerado essencial para o êxito do plano. A emenda produziu a desvinculação de verbas do orçamento da União, direcionando os recursos para o fundo, que daria ao governo margem para remanejar e/ou cortar gastos supérfluos.<br /> <br /> Os gastos do governo contribuíam grandemente para a hiperinflação, uma vez que a máquina do Estado brasileiro era grande, dispendiosa e ávida por mais recursos. Poucas horas antes, o então ministro FHC foi à televisão e, em pronunciamento oficial em rede nacional, fez um apelo ao Congresso Nacional para que aprovasse a emenda à Constituição Federal.<br /> <br /> Nesse sentido, em 1º de julho de 1994, houve a culminância do programa de estabilização, com o lançamento da nova moeda: o Real (R$). Toda a base monetária brasileira foi trocada de acordo com a paridade legalmente estabelecida: CR$ 2.750,00 para cada R$ 1,00. A inflação acumulada até julho foi de 815,60%, e a primeira inflação registrada sob efeito do Real foi de 6,08%, número recorde em décadas. O resultado positivo do Plano Real tem influenciado a política econômica brasileira desde então.<br /> <br /> Assim, segundo especialistas, o Plano Real foi um programa definitivo de combate a hiperinflação implantado em 3 etapas, a saber:<br /> <br /> 1. Período de equilíbrio das contas públicas, com redução de despesas e aumento de receitas, e isto teria ocorrido nos anos de 1993 e 1994;<br /> <br /> 2. Criação da URV para preservar o poder de compra da massa salarial, evitando medidas de choque como confisco de poupança e quebra de contratos;<br /> <br /> 3. Lançamento do padrão monetário de nome Real, utilizado até os dias atuais.<br /> <br /> Após a implantação do plano, durante mais de seis anos, uma grande sequência de reformas estruturais e de gestão pública foram implantadas para dar sustentação à estabilidade econômica, entre elas destacam-se: Privatização de vários setores estatais, o Proer (programa de reestruturação bancária), a criação de agências reguladoras, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a liquidação ou venda da maioria dos bancos pertencentes aos governos dos estados, a total renegociação das dívidas de estados e municípios com critérios rigorosos (dívida pública), maior abertura comercial com o exterior, entre outras.<br /> <br /> Segundo o economista brasileiro Gustavo Loyola: “O efeito regulador do Plano Real foi imediato e muito positivo em seu propósito. A inflação calculada sobre a URV nos meses de sua vigência (abril a junho) ficou em torno de 3%, enquanto que a inflação em Cruzeiros Reais (CR$) foi de cerca de 190%. Até o início da circulação do Real, em1º de julho de 1994, a inflação acumulada foi de 763,12% (no ano) e 5.153,50% (nos últimos 12 meses)”. Os números são evidentes no sentido de que o êxito do Plano Real foi imediato sobre a inflação.<br /> <br /> A inflação que antes consumia o poder aquisitivo da população brasileira, impedindo que as pessoas permanecessem com o dinheiro por muito tempo, principalmente entre o banco e o supermercado, estava agora controlada. O efeito imediato, e mais notável do Plano Real, foi a aposentadoria da máquina-símbolo da inflação, a "remarcadora de preços do supermercado" presente no comércio. O consumidor de baixa renda foi o principal beneficiado.<br /> <br /> Durante muitos anos a correção monetária foi uma salvaguarda que permitia aos brasileiros que tinham maior poder aquisitivo defender-se parcialmente da corrosão do valor real da moeda, com aplicações bancárias de rendimento diário. A grande maioria da população, entretanto, não tinha acesso a esses mecanismos e sofria com a desvalorização diária dos recursos recebidos como salário, aposentadoria ou pensão, sendo os maiores prejudicados com a alta inflação.<br /> <br /> Não por acaso, após a implantação do Plano Real a taxa de consumo de itens antes "elitizados" como o iogurte explodiu nas classes C e D da população. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas - (FGV), houve entre 1993 e 1995 uma redução de 18,47% da população miserável do país fruto do sucesso do plano. Um dos melhores índices da história brasileira.<br /> <br /> Mas a história do Real nem sempre foi marcada por glórias. O Plano Real enfrentou três grandes crises mundiais: a Crise do México (1995), a Crise Asiática (1997-1998) e a Crise da Rússia (1998). Em todas essas ocasiões o Brasil foi afetado diretamente, pois estava em reformas e necessitava de recursos, investimentos e financiamentos estrangeiros. Grandes somas de dinheiro deixaram o Brasil em cada um desses momentos devido ao medo que os grandes investidores tinham com os mercados emergentes.<br /> <br /> Ao menor indício de crise em qualquer um desses países, uma massa de investidores “corria” para buscar refúgio em moedas fortes, como o Dólar americano ou a Libra esterlina. Outros aproveitavam esses movimentos para especular fortemente contra as moedas dos emergentes, na intenção de obter grandes lucros em curto espaço de tempo, esvaziando as reservas em moeda estrangeira dessas nações. Isso contaminava negativamente as contas de diversos países, causando um efeito cascata globalizado.<br /> <br /> Como essas crises deixavam o Brasil sem meios de financiar seu plano de estabilização, o governo, fragilizado, via-se obrigado a aumentar a taxa básica de juros para remunerar melhor esses capitais, numa tentativa de impedi-los de abandonar o país. O objetivo era evitar um "defaut", ou seja, uma quebra generalizada que empurrasse o país a uma moratória externa. Segundo o economista Winston Fritsch: “A taxa de juros do Brasil chegou a 45% ao ano em março de 1999. Como consequência, houve maior endividamento público, mais cortes de gastos públicos, retração de alguns setores da economia e desemprego”.<br /> <br /> Outras crises menores, apesar de não prejudicarem tanto o processo de controle da inflação do Brasil, que já estava consolidado, trouxeram efeitos negativos na taxa de crescimento econômico. A Crise da Argentina (2001), a Crise de 11 de setembro (2001), e a Crise do Apagão (2001) ajudaram a derrubar a taxa anualizada de crescimento do PIB pois também forçaram o aumento da taxa de juros interna.<br /> <br /> A crise do Apagão teve a causa ligada diretamente ao Plano Real, uma vez que o plano trouxe a ampliação do poder de compra da população, aumento do consumo, aumento da produção (que geram maior consumo de energia elétrica), somado ao recuo dos investimentos públicos nos setores estatais de energia (como parte do programa de estabilização econômica).<br /> <br /> Dentre os efeitos em longo prazo do Plano Real podemos destacar:<br /> <br /> • Manutenção de baixas taxas inflacionárias e referências reais de valores;<br /> <br /> • Aumento do poder aquisitivo das famílias brasileiras;<br /> <br /> • Modernização do parque industrial brasileiro;<br /> <br /> • Crescimento econômico com geração de empregos<br /> <br /> Vale destacar que durante todo o Governo FHC, o Partido dos Trabalhadores (PT) como principal opositor ao governo, votou contra a maioria das medidas propostas no Plano Real ou que vieram a fazer parte dele, tal como o PROER. Alguns poucos artigos receberam apoio, como a previsão de destinação de recursos do FSE para o Sistema Único de Saúde, em 1994. O próprio ex-presidente Lula disse certa vez que “Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai ter de executar nada mesmo. Agora, quando você é governo, tem de fazer, e aí não cabe a bravata”. Nessa declaração, o ex-presidente e seu partido reconhece sua falha na época, como opositor do Plano Real.<br /> <br /> Recentemente ventilou-se a necessidade de reformas no sistema econômico brasileiro (supõe-se que sejam nas bases teóricas do Plano Real), para que o país possa adaptar-se ao tempo econômico que se vive e às atuais dificuldades econômicas do país, sobretudo o risco da volta da inflação. Há críticas ao sistema financeiro, a política monetária, e ao sistema tributário brasileiro, que juntos oneram o crescimento econômico. Reformas são necessárias sim, pois os problemas do início da década de 1990 e que contribuíram para a formulação desse plano econômico são diferentes dos desafios pelos quais enfrenta a economia brasileira atualmente.<br /> <br /> O Plano Real, talvez a mais importante conquista social desde a redemocratização do Brasil, está completando duas décadas de existência, com direito a uma merecida homenagem à Fernando Henrique Cardoso no Congresso e, através dele à equipe que na época colaborou na formação do plano. Acredito que o grande mérito desse plano foi a derrota da hiperinflação, por ter devolvido o poder de compra à população. A inflação é, sem dúvida, o imposto mais perverso que existe, pois disfarçado e prejudicial especialmente aos mais pobres.<br /> <br /> Finalmente, acredito que no percurso desses 20 anos de lançamento do Real, talvez o grande avanço fosse reconhecer os méritos desse plano econômico para a construção de um novo Brasil e consequentemente entendermos que os avanços sociais alcançados nos últimos 12 anos só foram possíveis devido a esse plano de estabilização econômica. Plano que sem dúvida lançou as bases para a construção de um país mais justo e viável principalmente para aqueles que possuem menor poder de compra. Neste 1º de julho de 2014 o Real completará 20 anos e como tudo na vida – e na economia não é diferente – erros e acertos fizeram e fazem parte deste plano ao longo de duas décadas, mas graças a ele, o Brasil hoje é um país menos injusto.</span><br /> <br /> <span style="font-size:14px;"><u><strong>Raylinn Barros da Silva</strong></u> <em>é Licenciado em História e Especialista em Ensino de História pela UFT - Universidade Federal do Tocantins. Tem artigos científicos publicados em revistas na área da História. Atualmente é professor da rede pública de ensino lecionando História, Filosofia e Sociologia no Ensino Médio.</em></span>