Ainda não se sabe se os micro-organismos encontrados são capazes de causar doenças.
Uma técnica de análise de material genético aplicada a 781 amostras de sangue coletadas no Brasil conseguiu identificar a presença de dois novos vírus infectando humanos.
Ainda não se sabe se os micro-organismos encontrados, um no Amapá e outro no Tocantins, são capazes de causar doenças, mas cientistas prosseguem investigando a suspeita.
Os micróbios em questão são um Ambidensovirus, que infecta insetos e outros invertebrados, e um Chapparvovirus, encontrado previamente em algumas espécies de mamíferos. Nenhum dos dois havia sido detectado ainda em humanos.
“A gente não pode afirmar que foram esses vírus que causaram doença nas pessoas, mas pode afirmar que as amostras de sangue dos pacientes foram triadas para todos os agentes que pudessem causar sintomas parecidos e não se encontrou mais nada”, afirma Antonio Charlys da Costa, cientista do Instituto de Medicina Tropical da USP que participou do trabalho.
As amostras obtidas pelos cientistas para o trabalho foram fornecidas pelos Lacens (Laboratórios Centrais de Saúde Pública), as instituições de referência para vigilância epidemiológica nos estados brasileiros entre 2013 e 2016.
Antes de passarem pela análise genética que encontrou os vírus, as amostras foram submetidas a exames de dengue, zika, chicungunha e outros patógenos que circulam no Brasil para descartar que os sintomas pudessem estar sendo causados por agentes já conhecidos.
'METAGENÔMICA'
O Ambidensovirus e o Chapparvovirus pertencem ambos ao grupo dos parvovírus e foram encontrados em sangue humano com uso de uma abordagem chamada metagenômica. A técnica consiste em separar os vírus do plasma do sangue, romper suas cápsulas e usar máquinas de sequenciamento de material genético para ler de uma vez só todo o material genético viral que fica em suspensão na amostra.
Em um primeiro momento, a leitura obtida não consegue identificar qual material genético pertence a quais vírus. Após as sequências de letras que representam o material genético serem digitalizadas, porém, os cientistas usam softwares especiais para encontrar trechos de sobreposição de RNA. Com isso, é possível remontar, dentro do computador, o genoma dos vírus.
Para fazer esse tipo de análise, os cientistas da USP recorreram a colaboradores na Universidade da Califórnia, em San Francisco (EUA).
“Nós usamos um cluster de processadores de última geração, porque isso requer um bocado de poder computacional”, explica Elizabeth Fahsbender, cientista responsável por sequenciar e montar os genomas dos dois patógenos descobertos.
“Depois de serem recortados e montados, os trechos lidos pelo sequenciador para serem comparados com um banco de dados de genomas de vírus para determinar o que está presente no plasma”.
RASTREANDO PATÓGENOS
Para tentar descobrir se os dois vírus encontrados em sangue humano têm potencial de causar doenças ou não, os cientistas adotaram estratégias distintas.
No caso do Chapparvovirus achado no paciente do Tocantins, o grupo da USP está trabalhando para desenvolver um exame de tipo sorológico que seja capaz de detectar a presença do micróbio a partir dos anticorpos que o sistema imune produz para atacá-lo.
“A gente conseguiu contato com o paciente e com a familia dele depois de 2018, e fizemos uma segunda coleta de amostras”, conta Charlys. “Vamos agora tentar procurar nesses pacientes se eles produziram anticorpos contra esse vírus, porque isso reforçaria mais ainda a ideia de que ele estaria causando uma doença”.
No caso do Ambidensovirus, não foi possível encontrar novamente o paciente do qual a amostra de sangue foi retirada. Cientistas sabem, porém, que vírus da mesma família já foram encontrados competindo espaço com os vírus de dengue, zika e chicungunha em mosquitos do gênero do Aedes aegypti. Por isso, acredita-se que seu transmissor também seja um inseto, e talvez seja possível encontrá-lo em mosquitos capturados na região.
Segundo Charlys, não é impossível que durante os anos em que as coletas de amostras doenças eventualmente causadas por esses vírus possam ter ficado ocultas em meio a outras epidemias que ocorreram no país. Isso já aconteceu com o B19, um outro tipo de parvovírus detectado no país.
DIVERSIDADE VIRAL
Segundo Charlys, não é surpresa que os dois vírus ainda desconhecidos do rol de infecções humanas tenham sido encontrados em regiões pouco urbanizadas do país, onde moradores têm mais contato com a biodiversidade da vegetação natural.
“As pessoas costumam sempre lembrar das doenças que emergem na China ou na África, mas a diversidade viral desses centros epidêmicos é igual à do Brasil: extremamente alta”, diz o cientista, que conclui: “A estimativa atual é de que existam 87 milhões de espécies de vírus no mundo, mas a gente conhece um pouco mais 15 mil. Então, existe ainda uma quantidade enorme de vírus para descrever”.
Um estudo dos cientistas descrevendo a descoberta foi publicado no dia 5 de março pela revista científica "PLoS ONE". No Brasil, o estudo foi bancado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Os trabalhos nos EUA foram bancados pelo Instituto de Pesquisa Vitalant, parceiro da UCSF, e pela empresa de biotecnologia Grifols.
As informações são da revista Época.