Prisão em Araguaína

Juiz solta mulher presa com 2,8 gramas de crack em Araguaína e condena criminalização da pobreza

Usuária de drogas será encaminhada para tratamento.

Por Redação 1.221
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11/08/2022 15h28 - Atualizado há 1 ano
Decisão que relaxou a prisão da acusada se baseou em jurisprudência do STJ

A prisão em flagrante de uma mulher de 34 anos, usuária de crack, em Araguaína, resultou em uma decisão judicial que, além de fundamentos jurídicos, aprofunda o tema sob o viés social.

A decisão, proferida em audiência de custódia, é do juiz Antônio Dantas de Oliveira Júnior. aAém de relaxar a prisão da mulher, o magistrado determinou, entre outras medidas, o seu encaminhamento para o CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas) “para acompanhamento da dependência química”.

O caso é o seguinte: No dia 4 de agosto, após denúncia anônima, M.N.C. foi presa por tráfico de drogas pela Guarda Municipal (GMA). Ela estava com apenas 2,8 gramas de crack e dinheiro em um posto de combustível na cidade.

Contudo, o magistrado deixou de homologar o auto de prisão em flagrante e, por conseguinte, relaxou a prisão da mulher com base nos artigos 5º, caput, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e artigo 310, inciso I, do Código de Processo Penal, por entender que a prisão foi uma medida invasiva, maculando os direitos fundamentais da intimidade, privacidade e da liberdade (artigo 5º, caput, inciso X, e o parágrafo segundo, do artigo. 240 do CPP). 

Aspectos técnicos

Tecnicamente, a decisão que relaxou a prisão da mulher se baseou em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segunda a qual seria necessário mandado de busca e apreensão e não prisão com base em informações de testemunhas.

“Na presente situação, entendo que o flagrante deve ser relaxado, como bem requerido pela defesa. Explico: Na situação dos autos, não houve justa causa para que a autoridade policial realizasse buscas pessoais sem mandado judicial, na medida em que, conforme depoimento dos guardas municipais, estes ficaram sabendo por terceiros que pessoas estariam cometendo o tráfico de drogas na região do entroncamento, próximo ao posto, na Comarca de Araguaína”, salientou o magistrado.

Suspeição genérica

Ainda conforme o juiz, “parte da jurisprudência atual, mormente do Superior Tribunal de Justiça, não aceita a suspeição genérica existente sobre indivíduos quando não houver justa causa, por exemplo, não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (denúncia anônima), são insuficientes para abordagem de um indivíduo”.

No despacho, o juiz ainda afirma que “não foi colhido nenhum depoimento dos populares que teriam informado o suposto tráfico de drogas praticado por duas pessoas na região do entroncamento, em Araguaína/TO”.

Como se vê, o fato de haver sido encontrado aproximadamente 2,8g de substância aparentando ser crack e dinheiro com a flagranteada (...), após a revista não convalida a ilegalidade prévia, eis que é necessário que o elemento ‘fundadas suspeitas de posse de corpo de delito’ seja aferido com base no que se tinha antes da diligência”, citou o juiz.

“Soma-se ao fato que a denúncia anônima, segundo a testemunha (...), relatou que seria um homem, com tais vestimentas, a realizar o tráfico de drogas supracitado, não tendo em momento algum mencionado ter conhecimento de uma mulher a traficar drogas”, complementou.

Ajuda voluntária

O magistrado aborda também, com muitos fundamentos, o aspecto social do problema. Logo na introdução da decisão de nove páginas, o juiz faz questão de destacar: “Antes de um usuário de drogas passar a ser um criminoso, ele precisou de ajuda voluntária ou compulsória para restabelecer a sua saúde. É de causar indignação ver que o Brasil não tem políticas públicas preventivas e de recuperação para pessoas viciadas em drogas, e todo esse caos desemboca na justiça criminal, a qual deveria ser a última da última a ser acionada”.

Em outro trecho da decisão, o juiz cita que M.N.C “relatou tomar remédio controlado para dormir, bem como alegou ser usuária de drogas, do tipo: “crack” desde 2015 e disse nunca ter feito tratamento quanto ao vício de drogas, dispôs que sua mãe está ciente de sua prisão”.

Andando em círculo

Na conclusão de seus argumentos, tanto jurídicos e sociais, Antônio Dantas de Oliveira Júnior aborda vários aspectos, entre eles, de segurança pública, criminalização da pobreza, direitos fundamentais, políticas públicas de saúde, educação e até mesmo medidas eleitoreiras.

Em letras garrafais, ele finaliza o texto ressaltando que “o intuito desta decisão, devidamente fundamentada, com a lei, a doutrina e a jurisprudência, não é para enfraquecer a força policial e o combate ao crime”. No entanto, diz que “diante da criminalização da pobreza, pessoas hipossuficientes também sejam resguardadas quanto aos seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil é signatário”.

Para ele, “o Estado brasileiro precisa repensar e efetivar políticas públicas que previnam a criminalidade, sobretudo, auxiliando as pessoas a terem uma vida com dignidade (educação, saúde, saneamento básico, lazer, etc). Está clarividente que políticas públicas ‘eleitoreiras’ são um câncer para o desenvolvimento do Brasil, refletindo grandemente na desigualdade social e, como consequência natural, no aumento da criminalidade, ou seja, está-se a andar em círculo ou para trás e não para frente”.

Polícia e sistema prisional aparelhados

O juiz lembra que “é dever do estado aperfeiçoar e melhor aparelhar, com serviços de inteligência, a polícia e o sistema prisional”. “No mesmo sentido, os atores do sistema de Justiça precisam ter a coragem de reconhecerem a falência do direito penal e do sistema prisional, na busca de melhorias que possam verdadeiramente combater e prevenir a criminalidade, sob pena de viver-se em um país apenas de simbologias e com uma carga tributária exorbitante”, finalizou.

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