Diante desses dados alarmantes, surge uma reflexão: como podemos, como sociedade, reverter esse quadro?
Ultraprocessados estão presentes em quase 25% da alimentação de crianças brasileiras menores de cinco anos, conforme revelou o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani). Divulgado nesta quinta-feira (5), o relatório levanta uma preocupação sobre o impacto desses alimentos na saúde infantil, pois seu consumo excessivo pode levar à obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.
A pesquisa indica que biscoitos doces e salgados são os ultraprocessados mais consumidos por crianças no Brasil. Outros alimentos como farinhas instantâneas (usadas para mingau), chocolates, sorvetes, gelatinas e bebidas lácteas, como achocolatados e iogurtes, também aparecem em grande quantidade na dieta infantil.
Os alimentos ultraprocessados são produtos que passam por diversas modificações industriais, incluindo adição de conservantes, corantes e açúcares. O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) foi conduzido pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) entre fevereiro de 2019 e março de 2020, analisando a rotina alimentar de 14.505 crianças menores de 5 anos em 123 municípios, incluindo o Distrito Federal.
De acordo com o Enani, 24,7% da alimentação de crianças de até cinco anos é composta por ultraprocessados. Em contraste, alimentos in natura, como legumes e carnes, representam 48,4% da dieta, enquanto o leite materno é responsável por 15,4%. A situação se agrava entre crianças de 2 a 5 anos, onde o consumo diário de ultraprocessados sobe para 30,4%. Já em crianças de seis meses a dois anos, o percentual também é alto: 20,5%. A professora e pesquisadora da UFRJ, Elisa Lacerda, destaca que "nessa faixa etária a recomendação é zero", o que torna o consumo alarmante.
Lacerda aponta que a facilidade de acesso a esses alimentos, disponíveis em supermercados a preços baixos, é um dos principais fatores que contribuem para o consumo elevado. Além disso, a publicidade voltada para as crianças é um fator significativo que influencia as escolhas alimentares dos pais.
Apesar do estudo do Enani ter sido realizado em domicílios, outro fator que merece atenção é a presença de ultraprocessados nas escolas públicas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) limita a compra de alimentos ultraprocessados para até 20%, mas a realidade nem sempre é seguida à risca. Um estudo de 2023 do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupems) da USP apontou os biscoitos como o quinto alimento mais adquirido nas escolas públicas, ficando atrás apenas de itens como carne bovina, frango, leite em pó e banana.
Natália Oliveira, pesquisadora do Enani, reforça que o consumo elevado de ultraprocessados impacta a saúde em todas as idades, mas na infância o risco de obesidade é ainda maior. Segundo projeções da Federação Mundial da Obesidade, o Brasil poderá ter 20 milhões de crianças e adolescentes obesos até 2035. A nutricionista Caroline Romeiro, do Conselho Federal de Nutrição (CFN), alerta que alimentos ultraprocessados disfarçados de saudáveis, como pães de bisnaguinhas, minibolos e alguns iogurtes, são comumente oferecidos às crianças, apesar de suas composições ricas em aditivos químicos.
Além disso, o estudo destaca um dado preocupante: 60,6% da alimentação de crianças de seis meses a dois anos já é composta por doces e açúcares, enquanto entre crianças de 2 a 5 anos esse percentual sobe para 80,4%. A introdução precoce de alimentos ricos em açúcar pode influenciar negativamente as preferências alimentares e aumentar o risco de doenças relacionadas ao peso.
Diante desses dados alarmantes, surge uma reflexão: como podemos, como sociedade, reverter esse quadro? É fundamental que os pais e responsáveis estejam atentos à composição dos alimentos que oferecem às crianças, buscando opções mais saudáveis e equilibradas. A diversidade alimentar, com o consumo de frutas, legumes e carnes, ajuda a formar hábitos alimentares saudáveis desde cedo, evitando a dependência de alimentos ultraprocessados e açucarados.
A redução no consumo de ultraprocessados precisa ser feita de maneira gradual, com orientação profissional, para garantir uma transição segura e saudável para a criança. O Enani trouxe à tona uma realidade preocupante, mas que pode ser revertida com conscientização e mudanças de hábitos.