Regra é inconstitucional

Ministro do STF vota para mudar distribuição das sobras eleitorais, mas só a partir de 2024

Ricardo Lewandowski é relator das ações que estão em plenário virtual.

Por Redação 725
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07/04/2023 09h27 - Atualizado há 1 ano
Ministro Ricardo Lewandowski, relator das ações no STF.

Às vésperas da aposentadoria, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou na madrugada desta sexta-feira (07/04) para ampliar a participação de partidos e candidatos na distribuição das chamadas "sobras" eleitorais - as vagas que não foram preenchidas nos principais critérios para divisão das cadeiras no Poder Legislativo.

O Supremo analisa, no plenário virtual, três ações de quatro partidos - Rede Sustentabilidade, Podemos, PSB e Progressistas - contra as alterações na lei eleitoral estabelecidas em 2021.

O ex-deputado federal tocantinense Tiago Dimas (Podemos), que foi o 6º mais votado nas eleições de 2022, poderia ser beneficiado com a mudança, caso a alteração valesse imediatamente. Ele assumiria na vaga atualmente ocupada pelo deputado Lázaro Botelho (PP), que ficou em 14º lugar.

Na prática, para as legendas, estas mudanças são inconstitucionais porque dificultam a participação dos partidos na divisão destas "sobras" e representam a criação de uma "espécie de cláusula de barreira para a disputa" destas vagas.

Os partidos que acionaram a Suprema Corte pretendem que sejam incluídas todas as legendas que participaram das eleições, independentemente do quociente eleitoral alcançado.

As ações estão em plenário virtual, com relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Em seu voto, o ministro considerou que a norma atual restringe a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, violando os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito.

Assim, para o relator, todas as legendas e seus candidatos devem participar da distribuição das cadeiras remanescentes (sobra da sobra), independentemente de terem alcançado a exigência do percentual do quociente eleitoral. Para Lewandowski, no entanto, a norma só deve valer a partir de 2024.

O julgamento tem data prevista para término dia 17 de abril.

NORMA ELEITORAL

O objeto das ações é o inciso III do artigo 109 do Código Eleitoral, alterado pela lei 14.211/21, e a resolução 23.677/21 do TSE. A norma diz que o partido, para ter direito a participar da distribuição das sobras das cadeiras destinadas ao cargo de deputado federal, deve alcançar pelo menos 80% do quociente eleitoral, com um candidato que tenha, no mínimo, 20% da votação nominal.

Não sendo cumpridas as duas exigências, cumulativamente, as cadeiras restantes são distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias, mas o TSE restringiu que a maior média somente deve ser calculada entre os partidos que tenham obtido pelo menos 80% do Quociente Eleitoral.

Ações

Na ADIn 7.228, o partido Rede Sustentabilidade alega que, a seu ver, as alterações instituíram uma espécie de cláusula de barreira para a disputa das sobras eleitorais.

O partido sustenta que, em 2022, ocorreram as primeiras eleições com barreira e sem coligações, o que pode significar o "início do fim", por vias inconstitucionais, do "sistema eleitoral proporcional, com reais e efetivas disfunções de inúmeras ordens".

As mudanças, para a Rede, parecem conduzir a uma espécie de "distritão à força", pois o sistema só poderia ser implementado por meio de emenda à Constituição e, em 2021, foi rejeitado pela Câmara dos Deputados.

Os partidos Podemos e PSB ajuizaram a ADIn 7.263 alegando erro na forma de cálculo adotada pela Justiça Eleitoral e sustentam que isso pode levar a distorções do sistema proporcional, como, por exemplo, um partido ficar com todas as vagas da Câmara, caso seja o único a alcançar o quociente eleitoral.

Ao apresentarem números totais sobre a votação para deputado federal nas eleições deste ano, apontam que apenas 28 dos 513 deputados se elegeram com seus próprios votos ou atingiram o quociente eleitoral. Os 485 restantes se beneficiaram dos votos dos puxadores de seus partidos ou de suas federações.

Entre outros argumentos, Podemos e PSB dizem que a medida fere princípios constitucionais como o pluralismo político, o Estado Democrático de Direito, a igualdade de chances, a soberania popular e o sistema proporcional. A seu ver, ainda, a Resolução do TSE não deveria valer para este ano, por ter sido editada a menos de um ano das eleições.

Na ADIn 7.325, o Partido Progressista alega que as balizas "contribuem para uma sobrerrepresentação de partidos que já gozam de uma maior representatividade e que se estruturam em torno de candidatos com maior projeção pessoal, em detrimento de agremiações que possuem uma maior dispersão de votos".

Para o partido, a criação de critério diferenciado de exigência de votação mínima ofende a isonomia, a proporcionalidade e atenta contra o pluralismo político e alógica do sistema representativo.

Restringe a pluralidade

Ao analisar o caso, Lewandowski ressaltou que toda e qualquer norma que tenha por escopo restringir a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, viola os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito.

O ministro ainda acrescentou que a norma pode excluir do Legislativo cidadãos com "altíssima densidade eleitoral em detrimento de candidatos com baixa representatividade".

Para ilustrar essa afirmação, o ministro criou a seguinte situação hipotética:

"Digamos que em determinada eleição para a Câmara Federal o QE seja de 100 mil votos. Após todas as fases de ocupação de cadeiras, inclusive a do 80/20, sobre uma vaga de deputado federal. Pela atual legislação, com a interpretação dada pelo TSE, a vaga remanescente poderia, em tese, ser ocupada por parlamentar que conquistou apenas mil votos, em detrimento de candidato que, a par de ter obtido 75 mil votos, concorreu por uma grei que não alcançou 80 mil votos."

Para Lewandowski, é inaceitável que o STF chancele interpretação da norma que permita "tamanho desprezo ao voto", mormente em favor de candidato com baixíssima representatividade e, conforme os critérios empregados na segunda fase, pertence à agremiação já favorecida pela atual forma de cálculo.

"Por essas razões impõe-se que, após a aplicação da cláusula dupla de desempenho 80/20 na segunda fase do escrutínio eleitoral, as cadeiras que eventualmente sigam desocupadas sejam distribuídas entre todos os partidos que obtiveram votos no pleito, mediante uma interpretação conforme à Constituição do § 2° do artigo 109 do CE e da regra de distribuição abrigada no inciso III do artigo 109 do CE (distribuição remanescente)."

O ministro ainda analisou que no caso de nenhum partido obter o quociente eleitoral, a distribuição das cadeiras ocorra, primeiramente com a aplicação da cláusula de barreira 80/20 e, quando não houver mais partidos e candidatos que atendam tal condição, as cadeiras restantes sejam distribuídas por média, mas sem a exigência dessa cláusula de desempenho partidário.

A PARTIR DE 2024

Assim, o ministro julgou procedente a ação para dar interpretação conforme à Constituição ao § 2° do art. 109 do Código Eleitoral de modo a permitir que todas as legendas e seus candidatos participem da distribuição das cadeiras remanescentes (3ª fase), independentemente de terem alcançado a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral, respectivamente.

O ministro votou, ainda, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 111 do Código Eleitoral, aplicando os parâmetros da 2ª e 3ª fases quando nenhuma agremiação/federação atingir o quociente eleitoral.

A decisão, no entanto, não teria efeito imediato caso fosse esse o posicionamento majoritário do plenário.

Isto porque, Lewandowski ressaltou que a Constituição prescreve que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra em até um ano da data de sua vigência (princípio da anualidade da lei eleitoral).

Interpretando o dispositivo constitucional, o STF, em sede de repercussão geral, já firmou tese no sentido de que "as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior" (Tema 564).

Diante disso, Lewandowski votou para atribuir o efeito ex nunc à decisão, de modo que surta efeitos a partir do pleito de 2024.

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