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Setembro Amarelo | E se alguém te contar que quer pular da ponte e da vida?

Autor é psicanalista, escritor e professor. Doutor em Letras.

Por Francisco Neto
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06/09/2024 09h17 - Atualizado há 1 mês
Francisco Neto Pereira Pinto é psicanalista, escritor e professor

Francisco Neto Pereira Pinto | Colaboração

Geralmente psicanalistas não gostam muito de dar dicas. Porém, como profissional ligado ao campo da saúde mental, vou me arriscar a dar um palpite neste assunto, uma vez que estamos no mês dedicado à prevenção do suicídio – o Setembro Amarelo.

Quero abordar o assunto a partir de dois versos retirados do famoso poema Morte e Vida Severina, do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto. Neste primeiro verso, Severino, o retirante, faz uma pergunta interessante ao Seu José mestre carpina, que nos dá o que pensar:

— Seu José, mestre carpina,

que diferença faria

se em vez de continuar

tomasse a melhor saída:

a de saltar, numa noite,

fora da ponte e da vida?

Essa é uma pergunta que poderia ser feita a mim e a você, não é verdade? Alguém poderia perguntar que diferença faria entre morrer ou continuar vivendo. Dito de outro modo, seu ente querido ou seu amigo poderia confidenciar, de modo sutil ou assertivo, que está pensando em suicídio. O que você faria? Gostaria de responder a essa pergunta com o último verso do poema, que é a resposta dada pelo Seu José mestre carpina ao Severino, retirante, sobre altar fora da ponte e da vida:

— Severino, retirante,

deixe agora que lhe diga:

eu não sei bem a resposta

da pergunta que fazia,

se não vale mais saltar

fora da ponte e da vida;

nem conheço essa resposta,

se quer mesmo que lhe diga

é difícil defender,

só com palavras, a vida,

ainda mais quando ela é

esta que vê, Severina

mas se responder não pude

à pergunta que fazia,

ela, a vida, a respondeu

com sua presença viva.

E não há melhor resposta

que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,

teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco

em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena

a explosão, como a ocorrida;

como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão

de uma vida Severina.

Esta é uma linda resposta, mas quero sublinhar apenas um detalhe, que pode fazer toda a diferença. Vivemos hoje em uma sociedade em que a alegria, o otimismo e a felicidade se tornou uma obrigação, um imperativo categórico. As redes sociais são um espetáculo de sucesso.

Alguém, por acaso, se arriscaria a postar uma foto que não seja exibindo um sorriso? Bom, nesse império de positividade ficar triste, deprimido, ou mesmo pensar em tirar a própria vida chega a ser um insulto, uma afronta ou um pecado contra a happycracia. Não é de se espantar, então, que muitas pessoas em sofrimento psíquico não se atrevam a compartilhar as suas dores mais íntimas.

Nesse sentido, podemos aprender muito com o Seu José mestre carpina. Ele não julgou tampouco condenou Severino, o retirante. Também não evadiu da conversa e nem evitou o assunto. Talvez essa seja uma das melhores ajudas que podemos prestar a alguém que tenha a coragem de abrir sua intimidade e compartilhar o seu sofrimento do qual pode até sentir vergonha.

Então é isso: ouvir! Ouvir de maneira generosa, para além da empatia. Esse tipo de ouvir não depende de se compreender ou concordar com a pessoa. Depende da disposição de se importar sobretudo com aquele que está sofrendo, de considerá-lo mais importante do que uma opinião ou posicionamento pessoais.

Nesse tipo de escuta, a palavra que conta, que é mais importante, não é a palavra do ouvinte, mas sim a da pessoa que resolveu dar um nome àquilo que lhe oprime – é a palavra dela que pode iluminar um outro caminho, uma outra saída, que não a de pular da ponte e da vida. Porém, mesmo assim, não há garantias.

Se alguém, então, te contar que quer cometer suicídio, não se sinta obrigado a encontrar razões para convencê-lo do contrário. Aliás, como dizia o psicanalista francês Jacques Lacan, é bom não convencer mesmo. Se você tiver condições para isso, o melhor seria dizer: Sim, eu posso te ouvir. Se você quiser me contar, estou aqui!

Sobre o autor

Francisco Neto Pereira Pinto é psicanalista, escritor e professor. doutor em Letras. Professor permanente do programa de pós-graduação em Linguística e Literatura da UFNT. É autor dos livros infantis O gato Dom e Você vai ganhar um irmãozinho, que estão disponíveis na Amazon. Siga o autor no instagram: https://www.instagram.com/francisconetopereirapinto/

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